O gigolô das palavras
(Luís Fernando Veríssimo)
Quatro ou cinco grupos diferentes de alunos do Farroupilha
estiveram lá em casa numa mesma missão, designada por seu professor de
Português: saber se eu considerava o
estudo da Gramática indispensável para aprender e usar a nossa ou qualquer
outra língua. (...) Suspeitei de saída que o tal professor lia esta coluna,
se descabelava com as suas afrontas às leis da língua, e aproveitava aquela
oportunidade para me desmascarar. Já estava até preparando, às pressas, minha
defesa (“Culpa da revisão! Culpa da revisão!”). Mas os alunos desfizeram o
equívoco antes que ele se criasse. Eles mesmos tinham escolhido os nomes a
serem entrevistados. Vocês têm certeza que não pegaram o Veríssimo errado? Não.
Então vamos em frente.
Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitadas
algumas regras básicas da Gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as
outras são dispensáveis. A sintaxe é uma
questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não
necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo mas
é claro, certo? O importante é comunicar. (...).
Um
escritor que passasse a respeitar a intimidade gramatical das suas palavras
seria tão ineficiente quanto um gigolô que se apaixonasse pelo seu plantel.
Acabaria tratando-as com a deferência de um namorado ou com a tediosa
formalidade de um marido. A palavra seria a sua patroa! Com que cuidados, com
que temores e obséquios ele consentiria em sair com elas em público, alvo da
impiedosa atenção de lexicógrafos, etimologistas e colegas. Acabaria impotente,
incapaz de uma conjunção. A Gramática
precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda.
________________
In MURRIÉ,
Zuleika de Felice et al. Língua
portuguesa: projeto escola e cidadania para todos. 1ª edição. São Paulo:
Editora do Brasil, 2005, p. 46-47.
Nenhum comentário:
Postar um comentário