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Fortaleza, Ceará, Brazil
Professor de Esperanto,Italiano e Português. Revisor de trabalhos acadêmicos: monografias, dissertações e teses. Profesoro pri lingvoj: esperanto, portugala, itala. Reviziisto pri akademiaj verkoj: monografio, disertacio, tezo.

quinta-feira, 5 de julho de 2012



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Esperanto-Dokumentoj, nº 37 (2002)
LÍNGUAS INTERNACIONAIS E DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS
Robert Phillipson
Este artigo analisa como algumas línguas tornaram-se "internacionais" e cita exemplos da promoção e legitimação da língua mais difundida: o Inglês. O tema dos direitos linguísticos equitativos é abordado com relação à prática do multilinguismo em organizações supraestatais, a Sociedade das Nações e as Nações Unidas e na maior e mais ambiciosa união de estados: a União Europeia. É possível pensar alternativas a um sistema que utiliza um pequeno número de línguas oficiais e que, portanto, confere, sobre uma base injusta, direitos a pessoas de diversas línguas. O artigo observa que as línguas internacionais impõem-se às línguas nacionais de forma que não condizem com os princípios dos direitos humanos.





Línguas internacionais
A língua foi sempre a companheira de um império, e sempre permanecerá sua parceira.
(Nebrija 1492, citado em Illich 1981, p. 34)
O senso comum entende o termo "língua internacional" como a língua que pessoas de diversas origens ou nações utilizam entre si. Neste sentido, há muitas línguas internacionais utilizadas em todos os continentes, do português e hindu ao latim e árabe clássico, além das linguae franche (interlínguas) e pidgins, usados em territórios menos extensos.
Utiliza-se o termo "língua internacional" também para as línguas artificiais ou planejadas, como o Esperanto, línguas especificamente criadas para facilitar as relações e a compreensão internacionais, por vezes denominadas línguas auxiliares internacionais. Os usuários de tais línguas não recebem apoio de nenhuma nação ou estado, em nítido contraste com a situação de línguas difundidas mundialmente, como o inglês, o francês e o espanhol.
A dominação linguística origina-se da conquista, da subjugação militar e política e da exploração econômica. O papel linguístico na expansão imperialista foi o elemento central da europeização do mundo. A política linguística fundamental foi expressa em um documento pioneiro de planejamento linguístico, apresentado à corte espanhola em 1492 (ver, acima, citação em epígrafe). Àquela época, as principais línguas europeias eram faladas por apenas alguns milhões de pessoas e não eram utilizadas internacionalmente. A posição atual do inglês, do francês, do espanhol e do português mostra com quanto sucesso e crueldade foi aplicado o princípio de imposição linguística.
As potências colonizadoras raramente estavam prontas a reconhecer que as línguas e as culturas além das próprias tinham por si só valores e direitos. Os linguistas seguiam nos rastros de Nebrija, legitimando hierarquias linguísticas colonialistas (Calvet 1974; Crowley 1991). Hegemonias linguísticas internacionais alimentam-se de crenças e atitudes face a hierarquias linguísticas e imbricam-se com a designação de mais recursos à língua dominante.
Um engenhoso projeto do período entreguerras de se criar uma versão reduzida do inglês como "língua auxiliar internacional", o "BASIC English" (BASIC = British American Scientific International Commercial, Britânico Americano Científico Internacional Comercial), foi difundido na esperança de que as línguas menores fossem eliminadas: O mundo precisa é de aproximadamente mais mil línguas mortas e mais uma viva (Ogden 1934, citado em Bailey 1991, p. 210). Neste contexto, a "compreensão internacional" foi considerada unilateral; devia-se abandonar as outras línguas e adotar a dominante, a inglesa, tornada mais acessível pela simplificação.
O imperialismo linguístico implica invariavelmente superioridade da língua dominante, quer no mundo colonial quer no pós-colonial (Mühlhäusler 1996; Phillipson 1992). Os britânicos e norte-americanos criaram uma ampla infraestrutura educacional para difundir mundialmente o inglês.1
As opiniões sobre a superioridade do inglês e sua adequação como a língua internacional por excelência são velhas. Uma investigação detalhada das imagens a respeito do inglês ao longo da história conclui que as ideias linguísticas nascidas no auge da época colonialista, em que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos foram os protagonistas, não mudaram quando o colonialismo econômico substituiu a dominação política direta sobre países do terceiro mundo. Acredita-se ainda que o inglês seja a língua mundial inevitável; as razões do relevante papel do inglês nos assuntos mundiais são as mesmas que as elaboradas pela primeira vez no século dezenove (Bailey 1991, p. 121)2.
Um exemplo recente de triunfalismo chauvinista é fornecido por uma campanha de primeira página de um tabloide londrino, de novembro de 1991, época em que o compromisso do governo britânico com a União Europeia era morno e a influência britânica sobre a integração europeia era mínima: Se a Europa tiver futuro, ela precisará de mais que uma moeda comum, de mais que uma política exterior comum e um direito comum. Ela deverá ter uma língua comum. Esta língua só pode ser a inglesa. (Daily Mail, 29 de novembro de 1991).
Os estados que resistem à difusão do inglês e reivindicam os mesmos direitos para suas línguas são rotulados de "chauvinistas"; eles sofrem do "arcaico orgulho nacional". A crença fundamental parece ser esta: se o inglês conseguiu impor-se como a língua dominante em estados como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, os mesmos processos podem ser aplicados em escala continental europeia e mundial. Se o monolinguismo pode triunfar em uma nação (assim se pensa), por que também não internacionalmente?
Aos interesses de quem as línguas internacionais servem?
O que ocorre durante minha vida é a americanização do mundo.
(George Bernard Shaw, nascido em 1856, escreve em 1912).
O governo britânico tem clara consciência das vantagens políticas3advindas do papel privilegiado do inglês e do impacto econômico disto4. A mídia aplaude no mesmo espírito5. Há uma constante torrente de livros sobre diversos aspectos do inglês como língua mundial, nem todos ingenuamente celebradores6
 Uma publicação recente, encomendada pelo British Council, sobre o futuro do inglês (Graddol 1997) constitui uma análise sugestiva, multidimensional, que aborda o papel de diversos fatores, econômicos, tecnológicos e políticos que talvez futuramente façam sobressair outras línguas como línguas internacionais dominantes.
A situação presente é de uma certa "macdonaldização", de uma assimetria estrutural devido ao poder econômico, simbolizado pelo fato de que 80% dos filmes em cartaz na Europa Ocidental provêm da Califórnia, enquanto 2% dos filmes em cartaz na América do Norte são de origem europeia. A macdonaldização pode ser entendida como a criação de consumidores, serviços e fornecedores globais; é o comércio diuturno agressivo; o fluxo de informação controlada que não chama a atenção das pessoas para os efeitos de longo prazo de um modo de vida ecologicamente destrutivo; a concorrência desleal com os produtores locais de cultura; a obstrução das iniciativas locais; tudo isso converge para uma redução do espaço cultural local (Hamelink 1994). Várias medidas foram tomadas no sentido de se resistir a esta influência no âmbito da União Europeia e em escala nacional, sobretudo na França, sendo o objetivo proteger a diversidade cultural e linguística: esta é uma área em que estão sendo investigadas as relações de fatores econômicos, cultura e política linguística, mas uma maior elaboração faz-se necessária (Grin e Hennis-Pierre 1997).
As pressões da globalização comercial e midiática condizem com o trabalho dos educadores que visam a uma "educação global". São estudiosos que preveem um programa de ensino fundamental mundial juntamente com um sistema de avaliação mundial e providências mundiais para assegurar a qualidade de educação e formação.7 O programa de ensino fundamental proposto denomina sete campos de aprendizagem chaves, dos quais um é a "língua mundial", obrigatória para todos, isto é, o inglês; o segundo campo diz respeito a outras línguas que devem ser aprendidas pelos infortunados cuja língua nativa não seja o inglês.8
De fato, esta visão da educação pressupõe duas classes de pessoas: anglófanos monolíngues e os demais, os bilíngues. É uma receita para se regredir a um mundo antediluviano, pré-babélico, onde tudo de valoroso é gerado em uma única língua.
A difusão do inglês ou ecologia das línguas?
A globalização não é um fenômeno surgido recentemente, embora a moda acadêmica corrente possa criar esta impressão. O que é novo é a abrangência e a profundidade da penetração global das culturas. Um estudioso japonês da comunicação, Yukio Tsuda, exprime perspicazmente com dois paradigmas paralelos muitas das dimensões da atual política linguística.
Paradigma: difusão do inglês
A. capitalismo
B. ciência e tecnologia
C. modernização
D. monolinguismo
E. globalização e internacionalização ideológica
F. transnacionalização
G. americanização e homogeneização da cultura mundial
H. Imperialismo linguístico, cultural e midiático

Paradigma: ecologia das línguas
1. ponto de vista que respeita os direitos humanos
2. igualdade na comunicação
3. multilinguismo
4. preservação das línguas e culturas
5. proteção da soberania nacional
6. incentivo ao aprendizado de línguas estrangeiras
(Tsuda 1994; as letras e os números são nossos. Para uma maior elaboração, ver Phillipson e Skutnabb-Kangas 1996; Skutnabb-Kangas 1999.)
As duas concepções antagônicas do que está em pauta podem ser observadas com relação à política linguística na África, onde algumas forças consolidam a difusão do inglês e outras reforçam ecologias linguísticas locais. Azrui (1997) relata como as hierarquias linguísticas da época colonial continuam a fundamentar a política educacional do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, interferindo presentemente no "auxílio", junto com uma política de ajustamentos estruturais notoriamente antissocial e empobrecedora: ...a verdadeira postura do Banco Mundial... incentiva a consolidação das línguas imperialistas na África... o Banco Mundial não parece ver a africanização linguística da educação básica e média como um empenho digno de consideração. Sua publicação sobre as estratégias para se estabilizar e renovar as universidades, por exemplo, absolutamente não menciona o papel da língua neste terceiro nível da educação africana... sob os programas de ajustamentos estruturais do Banco Mundial e do FMI, o único caminho aberto às nações africanas é o da adoção das línguas imperialistas desde o início da educação infantil (Mazrui 1997, p. 39-40).
A "ajuda" no campo educacional reflete a crença linguicista9 de que somente as línguas "internacionais" (ou seja, europeias) são adequadas ao desenvolvimento das economias e das mentalidades africanas. Para a falsidade desta postura vários estudiosos africanos chamaram a atenção, entre eles Ansre, Bamgbose, Kashoki, Mateene e Ngugi (referências em Phillipson 1992; ver também Djite 1993; e particularmente sobre os direitos linguísticos na África, Akinnaso 1994, e Phillipson e Skutnabb-Kangas 1994).
Uma postura alternativa, baseada no fortalecimento das línguas africanas, pode ser encontrada em uma série de documentos políticos aprovados pelos governos africanos durante os últimos quinze anos, culminando na Declaração de Harare (The Harare Declaration), aprovada na Conferência Intergovernamental de Ministros para a Política Linguística na África, ocorrida em 20-21 de março de 1997 (reproduzida em The New Language Planning Newsletter [O Novo Boletim de Planejamento Linguístico], 11/4 junho 1997). Ela declara que uma política adequada baseada nas línguas africanas não foi implementada e esboça muitas estratégias para o fortalecimento da ecologia linguística local. Considera a promoção das línguas africanas como o ponto central dos processos de democratização e convivência pacífica:
o pleno uso das línguas africanas é um pré-requisito para se maximizar a criatividade e a engenhosidade africanas em atividades de desenvolvimento.
...a África, onde os discursos científico e tecnológico se dão nas línguas nacionais como parte de nosso preparo cognitivo para enfrentar os desafios do próximo milênio.
...[os governos africanos] apelam a todos os responsáveis na África e no mundo todo para que se engajem em uma colaboração limpa e franca, com respeito pela integridade da identidade africana e pela promoção harmoniosa da dignidade e dos valores humanos como expresso nas línguas africanas.
As políticas do Banco Mundial e as atividades dos doadores que com ele colaboram consolidam a difusão do inglês. Contrariamente, a Declaração de Harare procura reforçar as ecologias linguísticas africanas, construir sobre o multilinguismo existente e utilizar línguas locais para resolver problemas locais. Poder-se-ia aprender o inglês como língua estrangeira, mas ele não seria aprendido para eliminar outras línguas ou impor-se a elas.
Esses exemplos de discurso sobre política linguística devem ser situados em contextos politicamente reais. Para avaliar em escala mundial hierarquias linguísticas, nos contextos pós-colonial, pós-comunista ou da União Europeia, deve-se pensar em fatores econômicos e políticos, sobre como os recursos são oferecidos para uma ou algumas línguas, mas não para outras e sobre ideologias que legitimam tais preferências e que tendem a glorificar algumas línguas e estigmatizar outras. Teorias sobre língua e poder, sobre política linguística e estruturação social, sobre línguas na educação devem ser situadas no complexo mundo real de fluxo de capital e de negociação hegemônica. É um mundo em que a desigualdade é estruturada e legitimada pelo linguicismo. A língua "internacional", o inglês, é vista como universalmente importante, apesar das fartas evidências de que seu amplo uso em contextos pós-coloniais esteja a serviço dos interesses ocidentais (é justamente isso que a globalização visa) e não satisfaz as necessidades das massas destes países.
Um paradigma de ecologia linguística tem um outro ponto de partida. Ele pressupõe que os falantes de línguas distintas tenham os mesmos direitos de comunicação, que o multilinguismo seja desejável e que seja digno de estímulo e mereça ser facilitado, e que a política linguística deva ser pautada por princípios de igualdade e de direitos humanos.
Intermezzo utópico: propostas de uma autêntica língua neutra internacional, o Esperanto, na Sociedade das Nações e no Parlamento Europeu.
Lembrem-se de que o único meio de se atingir tal paz é afastar de uma vez por todas a principal causa das guerras, a herança bárbara dos tempos mais remotos: o domínio de alguns povos sobre outros.
(Zamenhof 1915, citado em Centassi e Masson 1995).
A Sociedade das Nações foi criada como um fórum para que se trabalhasse pela prevenção de embates militares como a Primeira Guerra Mundial. O número de estados-membros variava entre quarenta e cinquenta; atualmente, nas Nações Unidas, há cerca de duzentos. Os Estados Unidos permaneceram fora da Sociedade das Nações, apesar do papel chave desempenhado pelo presidente Wilson em sua fundação.
A Sociedade das nações teve que decidir em quais línguas suas discussões deveriam ser conduzidas. O francês servira até então como a principal língua da diplomacia (pelo menos no mundo ocidental), embora não fosse utilizado em todos os congressos "internacionais". Nos congressos da Associação Mundial de Esperanto anteriores a 1914, alguns governos foram oficialmente representados, não menos que onze no congresso de 1910 (Centassi e Masson 1995).
Raramente organizações internacionais levam a sério o uso de uma língua planejada, neutra e não associada a uma potência específica, uma língua de fácil aprendizagem para todos. O Esperanto tende a ser rejeitado sem uma reflexão séria sobre por que ele poderia representar uma alternativa a uma língua "natural”. 10
A possibilidade de a Sociedade das Nações incentivar o Esperanto e até mesmo adotá-lo como língua de trabalho foi levada a sério, mas encontrou uma violenta resistência por parte da França. O Esperanto esteve em pauta por várias vezes entre 1920 e 1924, e ouviram-se relatórios do aprendizado da língua em 26 países. Delegados de onze estados (África do Sul, Bélgica, Brasil, Chile, China, Colômbia, Haiti, Índia, Itália, Pérsia, Tchecoslováquia) recomendaram em 1920 que o Esperanto fosse ensinado nas escolas "como um fácil recurso à compreensão internacional" (Lins 1988, p. 49-61). Estados menores, inclusive alguns asiáticos, eram favoráveis a uma língua neutra internacional. Mas as forças que apoiavam as línguas dos grandes estados-membros venceram. A ordem mundial existente talvez fosse comprometida não somente por uma língua neutra, mas também pelas crenças políticas pacifistas e utópicas de alguns esperantistas11. A opção pelo Esperanto foi rejeitada e tal postura continua até hoje, embora já se lhe tenha dado algum reconhecimento nominal,relações consultivas na ONU, na Unesco e no PEN-Club International.
Existe uma farta literatura sobre o Esperanto. Um dos fatos sociolinguísticos mais significativos é que vários milhares de crianças no mundo estão sendo educadas (em mais de 2000 famílias) com o Esperanto como uma de suas línguas maternas; que a literatura floresce, com a publicação de romances e poemas originais e traduzidos; que ele é utilizado como meio de comunicação em frequentes congressos científicos sobre vários temas; que a língua é de muito mais fácil aprendizado que outras, graças às regras regulares e produtivas que formam sua base; que, embora ele se baseie principalmente no léxico básico europeu, seu caráter sistemático torna-o mais fácil que as línguas europeias para os não europeus; que a proficiência em Esperanto possibilita a seus falantes encontrar pessoas de uma vasta gama de procedências culturais e linguísticas.
Na comunicação interpessoal, a falta de ligações entre o Esperanto e algum Estado nacional talvez facilite uma comunicação equitativa, qualquer que seja a língua materna dos falantes. No nível interestatal, em instituições políticas que debatem o destino da população mundial, a ausência de uma força política é, naturalmente, a principal fraqueza da língua. São os estados poderosos que podem exigir que suas línguas tenham um status"oficial".
O conceito de língua oficial em organizações supraestatais data-se dos anos iniciais da Sociedade das Nações, quando ao francês e ao inglês foi conferido uma igual posição e, assim, estabeleceu-se a ficção de que um texto escrito em uma "língua" qualquer possa ser traduzido para quaisquer "línguas" e que as traduções resultantes são completamente iguais do ponto de vista do sentido (Tonkin 1996, p. 14).
O mesmo princípio de equivalência textual é aplicado na União Europeia com suas onze línguas oficiais, das quais todas teoricamente expressam o "mesmo" conteúdo semântico. Qualquer pessoa familiarizada com o processo e os produtos da tradução sabe que harmonizar o círculo de diferenças conceituais, culturais e linguísticas é um ideal utópico distante da maneira pela qual funcionam as distintas realidades. Os sistemas jurídicos de cada um dos quinze estados-membros da União Europeia, por exemplo, desenvolveram-se de maneiras distintas, não podendo os textos significar "o mesmo" em todas as línguas e culturas.
No entanto, existem forças que tentam persuadir o Parlamento Europeu a considerar com seriedade a opção pelo Esperanto, e um número crescente de membros do Parlamento Europeu, segundo se informa, estão interessados no debate de tais questões. Uma audiência se realizou em 1993 e uma audiência mais ampla sobre política lingüística está sendo planejada.12 Finalmente, isso reflete o fato de que instituições supranacionais da UE estão, em princípio, comprometidas com o multilinguismo e a igualdade linguística, embora a presente hierarquia linguística lute contra isso: algumas línguas são mais iguais que outras, sobretudo o inglês e o francês nos órgãos da UE.
A Associação Mundial de Esperanto procura exercer influência na política lingüística das organizações internacionais. O manifesto aprovado em seu 81o Congresso Mundial, em Praga, em 1996, enumera uma série de princípios que o movimento para a "língua internacional Esperanto" defende. Eles incluem democracia, educação mundial (inclusão étnica), educação eficiente (um melhor aprendizado de línguas estrangeiras), multilinguismo, direitos linguísticos, diversidade linguística e emancipação humana. Os dois princípios que mais se relacionam ao tema presente são estes:
Democracia. Um sistema de comunicação que sempre privilegie algumas pessoas, mas que exige de outras que invistam anos de esforços para se atingir um grau menor de domínio, é fundamentalmente antidemocrático. Embora, como toda língua, o Esperanto não seja perfeito, ele supera qualquer rival no domínio da comunicação mundial equitativa. Afirmamos que a desigualdade linguística provoca desigualdade de comunicação em todos os níveis, inclusive no nível internacional. Somos um movimento pela comunicação democrática.
Direitos linguísticos. A divisão desigual de poder entre as línguas é a receita de uma constante insegurança linguística ou de uma opressão linguística direta na maior parte da população. Na comunidade esperantófona, os falantes de línguas grandes e pequenas, oficiais e não oficiais, reúnem-se em terreno neutro graças à vontade mútua de se chegar a um acordo. Tal equilíbrio entre direitos e responsabilidades linguísticas abre um precedente para se desenvolver e se avaliar outras soluções dos conflitos linguísticos e da desigualdade linguística. Afirmamos que as grandes diferenças de poder entre as línguas minam as garantias, expressas em tantos documentos internacionais, de um tratamento equitativo sem distinção de língua. Somos um movimento pelos direitos linguísticos.
Para ser sincero, só tomei consciência do potencial do Esperanto bem recentemente, porque, eu, como a maioria dos sociolinguistas, até então não o levara a sério. Além dos argumentos intelectuais resumidos acima, tive a experiência de participar de dois congressos "internacionais" no verão de 1996. Na Conferência de Direitos Linguísticos em Hongkong, o inglês foi quase o único recurso de comunicação. Um participante sul-africano exprimiu sua surpresa diante do fato de que aqueles cuja competência em inglês era menos que ideal, sobretudo asiáticos, que com muita dificuldade exprimiam-se em inglês, aceitaram os direitos de comunicação desiguais impostos pelos organizadores da conferência. Algumas semanas depois, no 81o Congresso Mundial da Associação Mundial de Esperanto, em Praga, surpreendi-me ao presenciar vários milhares de participantes do mundo todo comunicarem-se, com segurança, em uma língua comum internacional, entre eles vários asiáticos, que aparentemente não sofriam nenhuma desvantagem.
Direitos linguísticos em organizações supraestatais
Algumas línguas recebem direitos preferenciais em fóruns internacionais, como na ONU, em alianças militares ou comerciais, em organismos que regulam questões internacionais, como o tráfego aéreo e marítimo e em associações profissionais. Esses organismos tipicamente trabalham com uma ou mais línguas oficiais. A língua que, no curso deste século, impôs-se cada vez mais foi o inglês, acompanhando revoluções na tecnologia e na comunicação e refletindo o poder político, econômico e militar. Enquanto as hierarquias linguísticas em contextos pós-coloniais têm sido analisadas, uma política linguística internacional no sentido do funcionamento de línguas em organizações internacionais é pouco estudada e pouco compreendida (Tonkin 1996, p. 9; ver também Coulmas 1996; Fettes 1996). 13
Análises de Tonkin (1996) e Fettes (1996) sobre o funcionamento do sistema linguístico da ONU no curso de anos indicam que o regime linguístico atual reflete um poder político antes que um princípio de igualdade (por exemplo, as línguas com o maior número de falantes ou uma seleção representativa da ecologia lingüística mundial) ou eficácia. Cinco línguas (inglês, chinês, francês, espanhol e russo) foram aceitas como línguas oficiais da ONU em 1945. O árabe foi acrescentado após a crise do petróleo dos anos 70.
Teoricamente, há seis línguas oficiais de iguais direitos na ONU, sendo produzida uma enorme quantidade de documentos nestas línguas com um oneroso serviço de tradução. Na prática, o inglês é a língua de trabalho dominante de facto e isso é ocultamente aceito na ONU. Forças de língua francesa têm expressado sua insatisfação na ONU, mas pelo benefício de ninguém, tendo este protesto pouco a ver com igualdade ou direitos de línguas outras que a francesa.14 Há uma grande resistência contra a reforma do sistema, uma vez que ele reflete uma série de acordos políticos, uma fidelidade ao sistema por aqueles que o operam e uma relutância a se considerar alternativas.
Possíveis alternativas propostas por Tonkin (1996, p. 22-24) incluem uma aceitação mais aberta de uma única língua, ou o inglês ou o Esperanto, ou uma maior ênfase no aprendizado de línguas e em um multilinguismo receptivo ou um sistema no qual os serviços linguísticos fossem disponibilizados contra pagamento. Atualmente, não há nenhuma indicação de que exista disposição para se mudar o sistema, embora a ONU procure maneiras de diminuir gastos e até um quarto do orçamento da ONU seja gasto com os serviços de tradução e interpretação (Fettes 1966, p. 119). O sistema é ineficiente, visto que muitos representantes não são fluentes nem inteligíveis em alguma das línguas oficiais; em virtude de problemas logísticos de fornecimento de interpretação nas línguas oficiais designadas; devido a desperdícios quando se traduzem textos para todas as línguas oficiais, sem depois utilizá-los muito. Como observou um antigo intérprete do sistema da ONU, é paradoxal destinar tantos recursos a tais questões, enquanto as atividades de primeira importância da ONU, como a manutenção da paz, a saúde e a promoção dos direitos humanos, recebem tão poucos fundos (Piron 1994).
Parece justo concluir que o atual sistema de concessão de direitos a certas línguas efetivamente priva falantes de outras línguas de um acesso igual ao sistema. Ademais, a escolha de um certo número de línguas não significa que não haja hierarquia entre as eleitas muito pelo contrário.
Na União Europeia, a política linguística é uma questão tão delicada que poucas iniciativas consensuais de alto nível foram tomadas. A política linguística não tem um perfil relevante.
Em sua maioria, estas políticas são encobertas, não abertas. Como observa o redator de um número da International Political Science Review (Revista Internacional de Ciência Política) sobre "o emergente sistema linguística mundial": A questão das línguas permanece o grande non-dit da integração europeia. Houve muitas palavras sobre rios de leite e montes de manteiga, sobre uma moeda única, sobre a liberalização da migração para os cidadãos da UE e sobre a restrição de acesso para estrangeiros, mas a língua em que se tratam tais temas permanece fora de discussão(de Swaan 1993, p. 244).
Poucas investigações sistemáticas sobre política linguística foram realizadas na UE, e nenhuma em um quadro multidisciplinar elaborado. O que está presentemente disponível é fragmentário e largamente impressionista. Obras de ciência política sobre a integração europeia negligenciam a questão das línguas (por ex., Richardson 1996). Estudos sobre a política linguística da UE contêm análises da regulamentação que determina a política linguística, sobre estudos empíricos do uso de línguas específicas e sobre atitudes em face do uso linguístico. As obras pioneiras são de um franco-canadense (Labrie 1993), de um alemão (Schlossmacher 1996) e de um norueguês (Simonsen 1996), não sendo, sem dúvida, uma casualidade que as primeiras obras sejam de estudiosos procedentes de estados que sentem suas línguas ameaçadas, invariavelmente pelo avanço do inglês. Os livros são, respectivamente, em francês, alemão e norueguês, o que pode restringir seu círculo de leitores, mas muitos dos temas são abordados em inglês (ver o anuário Sociolinguística deste ano e Phillipson e Skutnabb-Kangas 1997).
Teoricamente, a política lingüística, bem como a cultura, é um assunto próprio de cada estado-membro, mas os processos de globalização e europeização e a intensidade de ligações transnacionais em tantas esferas, muitas delas incentivadas por medidas tomadas na UE, tornam a autonomia nacional em certa medida ilusória. Para as instituições da UE, a mais significativa legislação linguística é o regulamento de 1958, que outorga às quatro línguas dominantes dos estados fundadores (holandês, francês, alemão e italiano) direitos iguais como línguas oficiais e de trabalho. Quando, progressivamente, novos estados aderiram à UE, suas línguas foram acrescentadas (o dinamarquês e o inglês, em 1972; o grego, o português e o espanhol, uma década depois; o finlandês e o sueco, a partir de 1994). O prefácio à primeira decisão explica que as línguas que podem ser escolhidas como línguas da UE são as que são oficiais dentro do território de um estado. Excluem-se, portanto, línguas regionais, como o catalão na Espanha, ainda que ele tenha mais falantes que algumas das línguas oficiais.
Ser membro da "União" Europeia implica uma fusão de soberania com os outros estados-membros. Há, portanto, a evidente necessidade de que documentos escritos que resultem de acordo entre os estados-membros (por exemplo, no Conselho de Ministros) sejam distribuídos em cada estado em sua língua principal, como textos (tratados, regulamentos) com a força legal da UE sobre as leis nacionais. Aqui, há uma clara necessidade de equivalência textual mais próxima possível nas onze línguas oficiais.
O presente sistema de interpretação para as onze línguas oficiais (11 × 10 combinações possíveis) é inoportuno, e o sistema de interpretação em "relais", por exemplo, do dinamarquês para o grego via francês ou inglês é frequentemente utilizado (Dollerup 1996). Em princípio, cada uma das onze línguas tem os mesmos direitos de ser utilizada como língua de trabalho: na prática, falantes de línguas "pequenas" com frequência renunciam a seu direito e trabalham em uma das línguas "grandes". Muitas vezes, minutas são disponíveis apenas em francês ou em inglês.
É provável que a igualdade das línguas oficiais sempre tenha sido fictícia. O francês foi, nos anos iniciais da UE, a língua dominante da Comissão Europeia, em Bruxelas, e ainda permanece tal em alguns domínios. Os alemães acataram o fato, ainda que líderes políticos e comerciais por vezes reclamem que os interesses alemães sofrem como consequência do alemão não gozar, na verdade, dos mesmos direitos.
A maioria das agendas de política linguística explícita são mínimas, visando a uma espécie de equidade entre as onze línguas oficiais. Os programas da UE para a promoção da mobilidade de estudantes visam aprimorar a competência em línguas estrangeiras nos estados-membros e a formação da identidade "europeia". Teoricamente, os arquitetos da europeização afirmam que a diversidade cultural e linguística deve ser conservada. Entretanto, a realidade é mais complexa, quer se trate do uso de todas as línguas nacionais em nível supranacional, quer se trate do status e dos direitos de línguas minoritárias de cada estado. Ademais, o inglês está tendo impacto sobre as línguas nacionais. Nas instituições da UE, o inglês está se difundindo às custas de outras línguas francas potenciais, sobretudo o francês e o alemão. As línguas menos "internacionais" dos demais estados-membros têm, na prática, poucos direitos. Em outras palavras, existe uma aceitação tácita da hierarquia das línguas da UE.
Como caminhará a política linguística da UE é difícil prever. Há muitas questões sem resposta: será que a UE está caminhando para a diglossia com o inglês como uma segunda língua das elites, com exceção dos britânicos e irlandeses que permanecerão, em sua maioria, monolíngues? Ou pode ser estabelecido um grau mais substancial de multilinguismo multilateral e mútuo? As instituições da UE continuarão com o inoportuno sistema de tradução e interpretação ou elas repensarão sua política de línguas de trabalho e de redação de textos? Isso provavelmente se dará quando novos membros ingressarem na UE. Os atuais programas que financiam a circulação de estudantes (Erasmus, Sócrates etc.) estão atingindo o objetivo declarado de consolidar as línguas da UE menos difundidas ou eles, na verdade, estão promovendo o inglês?15 Existe uma discussão bem informada sobre a viabilidade de alternativas como o Esperanto? Quais tipos de eleitorado mais exercem influência na formação de uma política lingüística: as elites nacionais ou supranacionais, os grupos profissionais ou a mitologia criada nos meios de comunicação e na discussão política? É justo supor que a delicadeza política das questões, unida à fragilidade de infraestrutura, em âmbito nacional e supranacional, para se garantir um debate público bem informado sobre estes assuntos, significa que as forças do mercado progressivamente consolidarão o inglês? E se isso acontecer, será necessariamente às custas de (falantes de) outras línguas?
Muito está em jogo, em muitos níveis (individual, regional, social, mundial) e em muitos domínios (cultural, econômico, político etc.), ambos em ecologias linguísticas locais e em um nível amplo, europeu.
Estudos empíricos indicam que apenas o francês e o inglês efetivamente funcionam como línguas oficiais e de trabalho nos assuntos internos da UE (Schlossmacher 1996, dados recolhidos em 1992). Os europeus do norte tendem a utilizar o inglês, os do sul, o francês. O inglês predomina como o meio de comunicação com o estrangeiro (por ex., com os países da AECL [Associação Europeia de Comércio Livre] e mesmo com os ex-países comunistas, onde o alemão era tradicionalmente forte). A obra mais recente de Quell (1997) confirma este quadro. A proficiência em francês e inglês é uma condição para uma participação adequada em decisões políticas, até mesmo no Parlamento Europeu, onde há mais serviços de interpretação e onde se utilizam mais línguas, ao menos em sessões plenárias do Parlamento.
Questionada se seria necessário um regulamento para um novo sistema de línguas de trabalho, a grande maioria (78%) dos burocratas empregados na UE respondeu que eles lhe dariam boas-vindas, enquanto o número de parlamentares que assim pensam é muito menor (41%; Schlossmacher 1996, p. 98). São tipicamente os membros dos grupos de línguas "pequenas" que (por ex., o dinamarquês e o português) não querem mudanças, supostamente pelo risco de que suas línguas sejam mais marginalizadas do que já o são.
A mesma análise também mostra uma grande proporção de pessoas que desejam que o alemão seja usado como a língua com a mais alta prioridade e status, em vez do sistema com apenas o inglês ou apenas o francês e o inglês como línguas de trabalho, mesmo se esse ainda não é o caso presente (ibid, p. 103). Os informantes de Quell também foram inquiridos se uma possível solução formal da questão das línguas de trabalho na UE consistiria em um sistema monolíngue, bilíngue ou trilíngue e, se sim, quais das onze línguas receberiam este status. Os resultados mostram uma forte preferência a um sistema bilíngue (francês e inglês) ou trilíngue (inglês, francês e alemão) sobre um sistema monolíngue. Eles sugerem, além disso, que há mais apoio para o sistema com apenas o inglês entre as pessoas que falam o inglês como segunda língua do que entre falantes nativos do inglês. 16
Também a obra de Schlossmacher revela uma larga escala de opiniões sobre se os novos estados-membros devem ter necessariamente os mesmos direitos linguísticos que os estados-membros que se encontram no atual esquema. Mais uma vez, nota-se que um número de burocratas menor que o de parlamentares parece acreditar que as línguas/estados ingressantes deveriam receber os mesmos direitos.17 É mais que provável que decisões sobre política lingüística sejam tomadas quando novos estados-membros aderirem à UE, ao menos quando as línguas adicionais complicarem muito a logística de interpretação simultânea. Isso significa que nas reuniões da futura UE, quando estiverem presentes chefes de Estado, burocratas de alto e médio escalão, políticos e especialistas, não se terá o direito de usar a própria língua? Quando admitidos no clube europeu (clube cujas regras têm a força da lei em cada estado-membro), os falantes do tcheco, estoniano, húngaro e polonês serão ouvidos apenas em inglês e francês? As respostas a estas perguntas são atualmente a estimativa de todos, mas levantam uma questão fundamental: a UE realmente é uma parceria democrática de estados-membros com direitos iguais?
Como a política presente é passiva, uma regulamentação por negligência... a única língua que tirará proveito disso é o inglês. Considerando-se o fato de que a maioria das pessoas não querem que o inglês ganhe mais terreno, é curioso que ele esteja, entretanto, estabelecendo-se como a língua dominante da burocracia europeia (Quell 1997, p. 71).
Ao longo dos últimos vinte e cinco anos, o inglês adquiriu na UE ostatus de uma língua supranacional, comparável a sua posição na ONU e em muitos estados pós-coloniais, o que reflete seu papel como língua da americanização e da "macdonaldização". Isso tem, para a ecologia das línguas da UE, consequências que provavelmente se tornarão cada vez mais visíveis nas décadas futuras. O inglês tem uma posição hegemônica como língua internacional, a que o direito internacional, inclusive as leis de direitos humanos, não têm meios de se opor, o que quer que esteja declarado em pactos de inaceitabilidade de discriminação com base na língua (sobre as restrições destes, ver Skutnabb-Kangas e Phillipson 1994b).


Hegemonia linguística internacional
A hegemonia linguística do inglês manifesta-se de diversas maneiras. Algumas delas refletem uma força econômica. A difusão do inglês depende menos de força militar (embora a "pacificação" na Bósnia o fortaleça e diversifique) do que de pressões comerciais, não menos as de corporações multinacionais e as de organizações mundiais e regionais, como a UE.
Obviamente, hierarquias linguísticas em nível internacional não se relacionam diretamente com forças nacionais demográficas ou econômicas. O alemão tem o maior número de falantes nativos que qualquer grupo linguístico na UE, o maior mercado interno e a mais forte economia e tem algum uso internacional, mas há poucos indícios de que ele possa competir com o inglês.
O inglês, além disso, beneficia-se do aprendizado de línguas estrangeiras que confirma a hierarquia lingüística internacional. Para poder competir no mercado mundial, estados cujas línguas são interlínguas rivais França, Alemanha e Espanha investem muito no aprendizado do inglês em seus sistemas de educação, ainda que o inglês seja visto como uma ameaça aos valores culturais e linguísticos locais.18
A colaboração científica internacional também está cada vez mais dominada pelo inglês. Áreas periféricas de pesquisa estão vulneráveis a empreendimentos cooperativos arriscados apoiados pelo imperialismo científico e linguístico:19 há relações de desigualdade no discurso acadêmico, que o status do inglês consolida, e há uma hierarquia de paradigmas de pesquisa que frequentemente é legitimada e aceita internamente sem reflexão.
A língua de mais amplo uso beneficia-se das imagens dos anúncios de corporações multinacionais e de sua associação com o sucesso e o hedonismo. Estes símbolos são reforçados por uma ideologia que glorifica a língua dominante e estigmatiza outras, sendo esta hierarquia racionalizada e internalizada como normal e natural, e não como a expressão de valores e interesses hegemônicos.
A difusão do inglês é claramente visível em políticas linguísticas pós-colonialistas, que ignoram a ecologia lingüística local. Investigações acadêmicas ocidentais sobre a sociologia da linguagem frequentemente refletem uma relação desigual, como mostra a resenha de um livro de um norte-americano sobre política lingüística: Eis um exemplo típico de colaboração da Índia e dos Ocidentais: superficial e depreciativa... Quando ignoramos os estudos em línguas regionais hindus sobre as questões linguísticas da Índia, deixamos de ter insights essenciais. A língua inglesa proporciona-nos apenas uma dimensão, um ponto de vista e uma janela (Kachru 1996, p. 138, 140).
Mundialmente, estas tendências e muitas outras que são partes integrantes da macdonaldização levaram a uma disposição, quer nas elites quer nos excluídos, a desejar proficiência em inglês, pela razão óbvia de ser ele visto como uma mina de oportunidades. O apelo do inglês não deve eclipsar o fato de que na África como um todo 90% da população falam apenas línguas africanas. Igualmente, na Índia, de 3% a 5% da população são falantes do inglês. Se os cidadãos de países de todo o globo devem contribuir para a solução de problemas locais, se devem utilizar o meio local para propósitos culturais, econômicos e políticos localmente apropriados, isso deve exigir o uso de línguas locais. Uma política linguística deve reconciliar estas dimensões da ecologia linguística com as pressões da globalização e da supranacionalização, que estão promovendo o avanço do inglês. Uma política linguística deve ser explícita e deve incluir condições iguais para todos os povos e todas as línguas.
É possível ampliar as leis de direitos humanos internacionais, a fim de controlar a invasão das línguas internacionais hegemônicas.
NOTAS
(Endnotes)
1 Documento político chave, The diffusion of English culture outside England.
A problem of post-war reconstruction
(A difusão da cultura inglesa fora da Inglaterra. Um problema de reconstrução pós-guerra) (Routh 1941), foi escrito por um conselheiro do British Council (Conselho Britânico), uma organização fundada nos anos 1930 para difundir o inglês e se opor à difusão das línguas de governos fascistas. Foi um esquema para a criação da profissão mundial de professor de inglês, que se formou no princípio dos anos 1950 e que, a partir de então, cresce muito.
Os norte-americanos aplicaram muito dinheiro nos sistemas de educação dos países do "terceiro mundo" e na profissão de professor de inglês como segunda língua... a despesa de grandes somas de fundos governamentais e privados no período de 1959-1970, talvez as maiores somas jamais gastas na difusão de uma língua (Troike, diretor do Centro de Lingüística Aplicada, Washington, DC, 1977).
2 Estas ideias referem-se à sua forma (amálgama de várias línguas, sobretudo europeias) e a seu papel como o recurso de comunicação do cristianismo, da literatura, do bem-estar, da tecnologia, da ciência, do progresso etc.
A discordância do tema imperial é rara até mesmo hoje (Bailey 1991, p. 116). Há uma longa e ainda vigorosa tradição de se pretender dar provas da superioridade anglófona em todos os campos da atividade humana. Muitas pessoas justificaram as mais perniciosas formas de injustiça. Poucas [pretensões] sobrevivem a uma análise rigorosa e desapaixonada (ibid., p. 287).
3 Malcom Rifkind, quando ministro britânico para assuntos estrangeiros, disse: A Grã-Bretanha é uma potência mundial com interesses mundiais graças à Commonwealth, às relações transatlânticas [com os estados Unidos] e ao uso crescente da língua inglesa (matéria em The Observer , 1995.09.24).
4 O projeto English 2000 , do British Council, lançado em 1995, declara em seu prospecto que o objetivo é explorar o papel do inglês, a fim de promover os interesses britânicos como um aspecto da manutenção e da expansão do papel do inglês como a língua mundial no próximo século... Falar o inglês torna as pessoas abertas às conquistas culturais da Grã-Bretranha, a seus valores sociais e a seus propósitos comerciais.
5 The Sunday Times , 1994.07.10: O caminho de salvação da língua francesa é que se ensine o mais eficazmente possível o inglês como a segunda língua em todas as escolas francesas... Apenas quando os franceses reconhecerem o domínio do anglo-americano como a língua universal em um mundo que se encolhe, eles poderão efetivamente defender sua própria cultura única... A Grã-Bretanha deve dar prosseguimento à difusão do inglês e dos valores britânicos que estão por trás dela.
6 A recente invasão de obras sobre a globalização e sobre o inglês pode ser classificada superficialmente como:
- regional: (por ex., Linguistic ecology. Language change and linguistic imperialism in the Pacific region, Mühlhäuser, Routledge;South Asian English, org. Baumgardner, Illinois UP);
- comparativa: ( Post-imperial English: Status change in former British and American colonies, 1940-1990, org. Fishman, Conrad e Rubal-Lopez, Mouton de Gruyter; Language politics in English-dominant countries , Herriman/Barnaby, Multilingual Matters);
- triunfalista: ( English as a Global Language , Crystal, Cambridge UP);
- analítica: ( The politcs of English as an international language , Pennycook, Longman; Problematizing English in India , Agnihotra e Khanna, Sage; Linguistic imperialism , Phillipson, Oxford);
- radical-crítica: ( The otherness of English. India 's auntie tongue syndrome, Dasgupta, Sage; De-hegemonizing language standards. Learning from (post)colonial Englishes about "English" , Parakrama, Macmillan);
- estimativa: ( The future of English , Graddol, British Council).
7 Eis os pontos principais de uma palestra dada pelo presidente daBritish Association for International and Comparative Education(Associação Britânica de Educação Internacional e Comparada), sir Christopher Ball, durante a Terceira Conferência de Oxford sobre Educação e Desenvolvimento, 1995.
8 Os campos de aprendizagem são:
(i) aprender como aprender
(ii) a língua mundial
(iii) a língua materna (se diferente de ii)
(iv) domínio dos numerais
(v) alfabetização cultural
(vi) práticas sociais
(vii) religião, ética e valores.
9 "Linguicismo" é definido como "ideologias, estruturas e práticas utilizadas para legitimar, realizar e reproduzir uma divisão desigual de poder e de propriedade de bens (materiais e não materiais) entre grupos definidos com base na língua" (Skutnabb-Kangas 1988).
10 Zamenhof mesmo citou Ovídio em alusão às pessoas que recusam o Esperanto sem conhecimento de seu potencial ou de sua realidade:
Ignoti nulla cupido , isto é, não se deseja aquilo sobre o qual nada se sabe (cit. em Centassi e Masson 1995).
11 No outono de 1915, Zamenhof escrevia um artigo intitulado "Post la Granda Milito apelacio al diplomatoj" , uma espécie de testamento político. Ele propunha quatro princípios (Centassi e Masson 1995, p. 329-331):
· todo país pertence moral e materialmente a todos os seus habitantes naturais ou naturalizados... Nenhuma raça deve ter, no país, direitos ou deveres maiores ou menores que os de outras raças;
· todo cidadão tem pleno direito de utilizar a língua ou dialeto que quiser...;
· por todas as injustiças cometidas em determinado país o governo deste mesmo país responde perante um Tribunal Permanente Europeu, criado pelo acordo de todos os países europeus.
12 Das Kommunikations- und Sprachenproblem in der Europäieschen Gemeinschaft
in wie weit könnte eine Plansprach zu seiner Lösung beitragen?
(O problema comunicacional e linguístico na União Europeia até que ponto uma língua planejada poderia contribuir para a solução?), Parlamento Europeu, Bruxelas, 29 de setembro de 1993, organizado pela Fundação Hanns-Seidel. Uma segunda audiência está sendo planejada pelo Grupo de Trabalho sobre os Problemas Linguísticos da União Europeia.
Os pormenores podem ser recebidos da Associação Mundial de Esperanto, Nieuwe Binnenweg 176, 3015 BJ Rotteram, Holanda.
13 O Centro de Pesquisa e Documentação do Problema Lingüístico Mundial, baseado na Universidade de Hartford, Estados Unidos, em associação com a revista Language Problems and Language Planning (Problemas e Planejamento Linguísticos), organizou uma série de conferências na ONU sobre política lingüística (ver Tonkin 1996).
14 Ver a resolução da Assembleia Geral de 2 de novembro de 1995, relatada em Fettes 1996, p. 130.
15 Por décadas, o Conselho da Europa defende o aprendizado de duas línguas estrangeiras. A Comissão da União Europeia, em seu Livro Branco sobre Educação e Formação (COM[95] 590 de 29.11.95), recomendou que todos os jovens estudassem ao menos duas línguas estrangeiras da UE e propôs diversas medidas para fortalecer o aprendizado de línguas estrangeiras. Muitos escolares da Europa já o fazem, e a maioria dos governos da UE, com exceção do britânico, estão dispostos a apoiar o princípio do aprendizado de duas línguas estrangeiras.
16 Embora meticuloso e cauteloso em sua análise, Quell inclina-se à opinião de que falantes de uma segunda língua são agentes ideais de mudanças, não apenas porque eles sejam altamente motivados, mas também por que eles apoiam a língua a qual não estejam ligados em um sentido fundamentalmente nacional e cultural, e é improvável que sejam considerados defensores de uma política por egoísticas razões nacionalistas (Quell 1997, p. 70).
Enquanto a conclusão acima pode ser válida nesta pesquisa, sua generalização pode reduzir-se, se situada em um contexto mais amplo. A investigação de Schlossmacher mostra que os burocratas da UE insistem menos que os parlamentares na manutenção de seu direito de utilizar a língua materna nas instituições da UE. Parece-me que os britânicos que tenham escolhido trabalhar em Bruxelas estão entre os poucos britânicos comprometidos com a europeização e o multilinguismo que isto requer. O resto da população talvez seja obstinadamente monolíngue e xenófoba. Seria irônico se escandinavos e alemães e gregos desejassem fortalecer a integração europeia, endossando uma solução do tipo inglês apenas, solução que apela para os britânicos mais jingoístas, enquanto os britânicos que se sentem comprometidos com a europeização estão marginalizados.
17 Até certo ponto, este "resultado" poderia ser um resultado não natural da forma do questionário, uma vez que os informantes tinham que inevitavelmente interpretar os dizeres, que podem ser compreendidos de diversas maneiras, por mais cuidadosamente que fossem formulados. E será que Amtssprache é um equivalente exato de official language ?
18 Para detalhes sobre as mudanças no aprendizado de línguas estrangeiras nos países da UE durante os últimos cinquenta anos e uma análise das consequências para a escolha de uma língua na comunicação interpessoal, ver Labie e Quell 1997.
19 Há, em revistas húngaras de ciências sociais, debates acalorados sobre as relações desiguais entre pesquisadores norte-americanos e seus "parceiros" húngaros. Ver o número especial de Replika "Colonialismo ou parceirismo? Leste Europeu e ciências sociais ocidentais", 1996. Meus agradecimentos a Miklós Kontra, por ter me chamado a atenção para a questão .
20 Um exemplo recente: um funcionário do alto escalão do British Council considera a atual predominância do inglês em domínios chaves da globalização tão compreensível quanto o fato de a água fluir para baixo e o sol nascer no Oriente, e caso se aceite esta realidade social, é legítimo e inevitável que os falantes nativos do inglês se empenhem em tirar deste fato vantagens nacionais...(Seaton 1997, p. 381).
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Tradukis Reinaldo Ferreira
Lasta ŝanĝo:
2003-03-28
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