·
UEA.ORG
Esperanto-Dokumentoj, nº 37 (2002)
LÍNGUAS
INTERNACIONAIS E DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS
Robert Phillipson
Este
artigo analisa como algumas línguas tornaram-se "internacionais" e
cita exemplos da promoção e legitimação da língua mais difundida: o Inglês. O
tema dos direitos linguísticos equitativos é abordado com relação à prática do multilinguismo
em organizações supraestatais, a Sociedade das Nações e as Nações Unidas e na
maior e mais ambiciosa união de estados: a União Europeia. É possível pensar
alternativas a um sistema que utiliza um pequeno número de línguas oficiais e
que, portanto, confere, sobre uma base injusta, direitos a pessoas de diversas
línguas. O artigo observa que as línguas internacionais impõem-se às línguas
nacionais de forma que não condizem com os princípios dos direitos humanos.
Línguas internacionais
A língua foi sempre a companheira de um império, e
sempre permanecerá sua parceira.
(Nebrija 1492, citado em Illich 1981, p. 34)
O
senso comum entende o termo "língua internacional" como a língua que
pessoas de diversas origens ou nações utilizam entre si. Neste sentido, há
muitas línguas internacionais utilizadas em todos os continentes, do português
e hindu ao latim e árabe clássico, além das linguae
franche (interlínguas) e pidgins, usados em territórios menos extensos.
Utiliza-se
o termo "língua internacional" também para as línguas artificiais ou
planejadas, como o Esperanto, línguas especificamente criadas para facilitar as
relações e a compreensão internacionais, por vezes denominadas línguas
auxiliares internacionais. Os usuários de tais línguas não recebem apoio de
nenhuma nação ou estado, em nítido contraste com a situação de línguas
difundidas mundialmente, como o inglês, o francês e o espanhol.
A
dominação linguística origina-se da conquista, da subjugação militar e política
e da exploração econômica. O papel linguístico na expansão imperialista foi o
elemento central da europeização do mundo. A política linguística fundamental
foi expressa em um documento pioneiro de planejamento linguístico, apresentado
à corte espanhola em 1492 (ver, acima, citação em epígrafe). Àquela época, as
principais línguas europeias eram faladas por apenas alguns milhões de pessoas
e não eram utilizadas internacionalmente. A posição atual do inglês, do
francês, do espanhol e do português mostra com quanto sucesso e crueldade foi
aplicado o princípio de imposição linguística.
As
potências colonizadoras raramente estavam prontas a reconhecer que as línguas e
as culturas além das próprias tinham por si só valores e direitos. Os linguistas
seguiam nos rastros de Nebrija, legitimando hierarquias linguísticas
colonialistas (Calvet 1974; Crowley 1991). Hegemonias linguísticas
internacionais alimentam-se de crenças e atitudes face a hierarquias linguísticas
e imbricam-se com a designação de mais recursos à língua dominante.
Um
engenhoso projeto do período entreguerras de se criar uma versão reduzida do
inglês como "língua auxiliar internacional", o "BASIC English" (BASIC = British
American Scientific International Commercial, Britânico Americano Científico Internacional
Comercial), foi difundido na esperança de que as línguas menores fossem
eliminadas: O mundo precisa é de aproximadamente mais mil
línguas mortas e mais uma viva (Ogden
1934, citado em Bailey 1991, p. 210). Neste contexto, a "compreensão
internacional" foi considerada unilateral; devia-se abandonar as outras
línguas e adotar a dominante, a inglesa, tornada mais acessível pela simplificação.
O
imperialismo linguístico implica invariavelmente superioridade da língua
dominante, quer no mundo colonial quer no pós-colonial (Mühlhäusler 1996;
Phillipson 1992). Os britânicos e norte-americanos criaram uma ampla infraestrutura
educacional para difundir mundialmente o inglês.1
As
opiniões sobre a superioridade do inglês e sua adequação como a língua
internacional por excelência são velhas. Uma investigação detalhada das imagens
a respeito do inglês ao longo da história conclui que as
ideias linguísticas nascidas no auge da época colonialista, em que a
Grã-Bretanha e os Estados Unidos foram os protagonistas, não mudaram quando o
colonialismo econômico substituiu a dominação política direta sobre países do
terceiro mundo. Acredita-se ainda que o inglês seja a língua mundial
inevitável; as razões do relevante papel do inglês nos assuntos mundiais são as
mesmas que as elaboradas pela primeira vez no século dezenove (Bailey 1991, p. 121)2.
Um
exemplo recente de triunfalismo chauvinista é fornecido por uma campanha de
primeira página de um tabloide londrino, de novembro de 1991, época em que o
compromisso do governo britânico com a União Europeia era morno e a influência
britânica sobre a integração europeia era mínima: Se
a Europa tiver futuro, ela precisará de mais que uma moeda comum, de mais que
uma política exterior comum e um direito comum. Ela deverá ter uma língua
comum. Esta língua só pode ser a inglesa. (Daily
Mail, 29 de novembro de 1991).
Os
estados que resistem à difusão do inglês e reivindicam os mesmos direitos para
suas línguas são rotulados de "chauvinistas"; eles sofrem do
"arcaico orgulho nacional". A crença fundamental parece ser esta: se
o inglês conseguiu impor-se como a língua dominante em estados como a
Grã-Bretanha e os Estados Unidos, os mesmos processos podem ser aplicados em
escala continental europeia e mundial. Se o monolinguismo pode
triunfar em uma nação (assim se pensa), por que também não internacionalmente?
Aos interesses de quem as línguas internacionais
servem?
O que ocorre durante minha vida é a americanização
do mundo.
(George Bernard Shaw, nascido em 1856, escreve em
1912).
O
governo britânico tem clara consciência das vantagens políticas3advindas
do papel privilegiado do inglês e do impacto econômico disto4. A mídia
aplaude no mesmo espírito5. Há uma
constante torrente de livros sobre diversos aspectos do inglês como língua
mundial, nem todos ingenuamente celebradores6
Uma publicação recente, encomendada pelo British
Council, sobre
o futuro do inglês (Graddol 1997) constitui uma análise sugestiva,
multidimensional, que aborda o papel de diversos fatores, econômicos,
tecnológicos e políticos que talvez futuramente façam sobressair outras línguas
como línguas internacionais dominantes.
A
situação presente é de uma certa "macdonaldização", de uma assimetria
estrutural devido ao poder econômico, simbolizado pelo fato de que 80% dos
filmes em cartaz na Europa Ocidental provêm da Califórnia, enquanto 2% dos
filmes em cartaz na América do Norte são de origem europeia. A macdonaldização
pode ser entendida como a criação de consumidores, serviços e
fornecedores globais; é o comércio diuturno agressivo; o fluxo de informação
controlada que não chama a atenção das pessoas para os efeitos de longo prazo
de um modo de vida ecologicamente destrutivo; a concorrência desleal com os
produtores locais de cultura; a obstrução das iniciativas locais; tudo isso
converge para uma redução do espaço cultural local (Hamelink 1994). Várias medidas foram tomadas no
sentido de se resistir a esta influência no âmbito da União Europeia e em
escala nacional, sobretudo na França, sendo o objetivo proteger a diversidade
cultural e linguística: esta é uma área em que estão sendo investigadas as
relações de fatores econômicos, cultura e política linguística, mas uma maior
elaboração faz-se necessária (Grin e Hennis-Pierre 1997).
As
pressões da globalização comercial e midiática condizem com o trabalho dos
educadores que visam a uma "educação global". São estudiosos que preveem
um programa de ensino fundamental mundial juntamente com um sistema de
avaliação mundial e providências mundiais para assegurar a qualidade de
educação e formação.7 O
programa de ensino fundamental proposto denomina sete campos de aprendizagem
chaves, dos quais um é a "língua mundial", obrigatória para todos,
isto é, o inglês; o segundo campo diz respeito a outras línguas que devem ser
aprendidas pelos infortunados cuja língua nativa não seja o inglês.8
De
fato, esta visão da educação pressupõe duas classes de pessoas: anglófanos monolíngues
e os demais, os bilíngues. É uma receita para se regredir a um mundo
antediluviano, pré-babélico, onde tudo de valoroso é gerado em uma única
língua.
A difusão do inglês ou ecologia das línguas?
A
globalização não é um fenômeno surgido recentemente, embora a moda acadêmica
corrente possa criar esta impressão. O que é novo é a abrangência e a
profundidade da penetração global das culturas. Um estudioso japonês da
comunicação, Yukio Tsuda, exprime perspicazmente com dois paradigmas paralelos muitas
das dimensões da atual política linguística.
Paradigma:
difusão do inglês
A. capitalismo
B. ciência e
tecnologia
C. modernização
D. monolinguismo
E. globalização e
internacionalização ideológica
F.
transnacionalização
G. americanização e
homogeneização da cultura mundial
H. Imperialismo linguístico,
cultural e midiático
Paradigma:
ecologia das línguas
1. ponto de vista que
respeita os direitos humanos
2. igualdade na
comunicação
3. multilinguismo
4. preservação das
línguas e culturas
5. proteção da
soberania nacional
6. incentivo ao
aprendizado de línguas estrangeiras
(Tsuda 1994; as letras e os números são nossos.
Para uma maior elaboração, ver Phillipson e Skutnabb-Kangas 1996; Skutnabb-Kangas
1999.)
As
duas concepções antagônicas do que está em pauta podem ser observadas com
relação à política linguística na África, onde algumas forças consolidam a
difusão do inglês e outras reforçam ecologias linguísticas locais. Azrui (1997)
relata como as hierarquias linguísticas da época colonial continuam a
fundamentar a política educacional do Banco Mundial e do Fundo Monetário
Internacional, interferindo presentemente no "auxílio", junto com uma
política de ajustamentos estruturais notoriamente antissocial e empobrecedora: ...a
verdadeira postura do Banco Mundial... incentiva a consolidação das línguas
imperialistas na África... o Banco Mundial não parece ver a africanização linguística
da educação básica e média como um empenho digno de consideração. Sua
publicação sobre as estratégias para se estabilizar e renovar as universidades,
por exemplo, absolutamente não menciona o papel da língua neste terceiro nível
da educação africana... sob os programas de ajustamentos estruturais do
Banco Mundial e do FMI, o único caminho aberto às nações africanas é o da
adoção das línguas imperialistas desde o início da educação infantil (Mazrui 1997, p. 39-40).
A
"ajuda" no campo educacional reflete a crença linguicista9 de
que somente as línguas "internacionais" (ou seja, europeias) são
adequadas ao desenvolvimento das economias e das mentalidades africanas. Para a
falsidade desta postura vários estudiosos africanos chamaram a atenção, entre
eles Ansre, Bamgbose, Kashoki, Mateene e Ngugi (referências em Phillipson 1992;
ver também Djite 1993; e particularmente sobre os direitos linguísticos na
África, Akinnaso 1994, e Phillipson e Skutnabb-Kangas 1994).
Uma
postura alternativa, baseada no fortalecimento das línguas africanas, pode ser
encontrada em uma série de documentos políticos aprovados pelos governos
africanos durante os últimos quinze anos, culminando na Declaração de Harare (The
Harare Declaration), aprovada na Conferência Intergovernamental de
Ministros para a Política Linguística na África, ocorrida em 20-21 de março de
1997 (reproduzida em The New Language Planning Newsletter [O Novo Boletim de Planejamento Linguístico], 11/4
junho 1997). Ela declara que uma política adequada baseada nas línguas
africanas não foi implementada e esboça muitas estratégias para o fortalecimento
da ecologia linguística local. Considera a promoção das línguas africanas como
o ponto central dos processos de democratização e convivência pacífica:
o
pleno uso das línguas africanas é um pré-requisito para se maximizar a
criatividade e a engenhosidade africanas em atividades de desenvolvimento.
...a
África, onde os discursos científico e tecnológico se dão nas línguas nacionais
como parte de nosso preparo cognitivo para enfrentar os desafios do próximo
milênio.
...[os
governos africanos] apelam a todos os responsáveis na África e no mundo todo
para que se engajem em uma colaboração limpa e franca, com respeito pela
integridade da identidade africana e pela promoção harmoniosa da dignidade e
dos valores humanos como expresso nas línguas africanas.
As
políticas do Banco Mundial e as atividades dos doadores que
com ele colaboram consolidam a difusão do inglês. Contrariamente, a Declaração
de Harare procura reforçar as ecologias linguísticas africanas, construir sobre
o multilinguismo existente e utilizar línguas locais para resolver problemas
locais. Poder-se-ia aprender o inglês como língua estrangeira, mas ele não
seria aprendido para eliminar outras línguas ou impor-se a elas.
Esses
exemplos de discurso sobre política linguística devem ser situados em contextos
politicamente reais. Para avaliar em escala mundial hierarquias linguísticas,
nos contextos pós-colonial, pós-comunista ou da União Europeia, deve-se pensar em
fatores econômicos e políticos, sobre como os recursos são oferecidos para uma
ou algumas línguas, mas não para outras e sobre ideologias que legitimam tais
preferências e que tendem a glorificar algumas línguas e estigmatizar outras.
Teorias sobre língua e poder, sobre política linguística e estruturação social,
sobre línguas na educação devem ser situadas no complexo mundo real de fluxo de
capital e de negociação hegemônica. É um mundo em que a desigualdade é estruturada
e legitimada pelo linguicismo. A língua "internacional", o inglês, é
vista como universalmente importante, apesar das fartas evidências de que seu
amplo uso em contextos pós-coloniais esteja a serviço dos interesses ocidentais
(é justamente isso que a globalização visa) e não satisfaz as necessidades das
massas destes países.
Um
paradigma de ecologia linguística tem um outro ponto de partida. Ele pressupõe
que os falantes de línguas distintas tenham os mesmos direitos de comunicação,
que o multilinguismo seja desejável e que seja digno de estímulo e mereça ser
facilitado, e que a política linguística deva ser pautada por princípios de
igualdade e de direitos humanos.
Intermezzo utópico:
propostas de uma autêntica língua neutra internacional, o Esperanto, na
Sociedade das Nações e no Parlamento Europeu.
Lembrem-se de que o único meio de se atingir tal
paz é afastar de uma vez por todas a principal
causa das guerras, a
herança bárbara dos tempos mais remotos: o domínio de alguns povos sobre outros.
(Zamenhof 1915,
citado em Centassi e Masson 1995).
A
Sociedade das Nações foi criada como um fórum para que se trabalhasse pela
prevenção de embates militares como a Primeira Guerra Mundial. O número de
estados-membros variava entre quarenta e cinquenta; atualmente, nas Nações
Unidas, há cerca de duzentos. Os Estados Unidos permaneceram fora da Sociedade
das Nações, apesar do papel chave desempenhado pelo presidente Wilson em sua
fundação.
A
Sociedade das nações teve que decidir em quais línguas suas discussões deveriam
ser conduzidas. O francês servira até então como a principal língua da
diplomacia (pelo menos no mundo ocidental), embora não fosse utilizado em todos
os congressos "internacionais". Nos congressos da Associação Mundial
de Esperanto anteriores a 1914, alguns governos foram oficialmente
representados, não menos que onze no congresso de 1910 (Centassi e Masson
1995).
Raramente
organizações internacionais levam a sério o uso de uma língua planejada, neutra
e não associada a uma potência específica, uma língua de fácil aprendizagem
para todos. O Esperanto tende a ser rejeitado sem uma reflexão séria sobre por
que ele poderia representar uma alternativa a uma língua "natural”. 10
A
possibilidade de a Sociedade das Nações incentivar o Esperanto e até mesmo
adotá-lo como língua de trabalho foi levada a sério, mas encontrou uma violenta
resistência por parte da França. O Esperanto esteve em pauta por várias vezes
entre 1920 e 1924, e ouviram-se relatórios do aprendizado da língua em 26
países. Delegados de onze estados (África do Sul, Bélgica, Brasil, Chile,
China, Colômbia, Haiti, Índia, Itália, Pérsia, Tchecoslováquia) recomendaram em
1920 que o Esperanto fosse ensinado nas escolas "como um fácil recurso à
compreensão internacional" (Lins 1988, p. 49-61). Estados menores,
inclusive alguns asiáticos, eram favoráveis a uma língua neutra internacional.
Mas as forças que apoiavam as línguas dos grandes estados-membros venceram. A
ordem mundial existente talvez fosse comprometida não somente por uma língua
neutra, mas também pelas crenças políticas pacifistas e utópicas de alguns
esperantistas11. A
opção pelo Esperanto foi rejeitada e tal postura continua até hoje, embora já
se lhe tenha dado algum reconhecimento nominal,relações consultivas na ONU, na
Unesco e no PEN-Club International.
Existe
uma farta literatura sobre o Esperanto. Um dos fatos sociolinguísticos mais
significativos é que vários milhares de crianças no mundo estão sendo educadas
(em mais de 2000 famílias) com o Esperanto como uma de suas línguas maternas;
que a literatura floresce, com a publicação de romances e poemas
originais e traduzidos; que ele é utilizado como meio de comunicação em frequentes
congressos científicos sobre vários temas; que a língua é de muito mais fácil
aprendizado que outras, graças às regras regulares e produtivas que formam sua
base; que, embora ele se baseie principalmente no léxico básico europeu, seu
caráter sistemático torna-o mais fácil que as línguas europeias para os não
europeus; que a proficiência em Esperanto possibilita a seus falantes encontrar
pessoas de uma vasta gama de procedências culturais e linguísticas.
Na
comunicação interpessoal, a falta de ligações entre o Esperanto e algum
Estado nacional talvez facilite uma comunicação equitativa, qualquer que seja a
língua materna dos falantes. No nível interestatal, em instituições políticas
que debatem o destino da população mundial, a ausência de uma força política é,
naturalmente, a principal fraqueza da língua. São os estados poderosos que
podem exigir que suas línguas tenham um status"oficial".
O
conceito de língua oficial em organizações supraestatais data-se dos anos
iniciais da Sociedade das Nações, quando ao francês e ao inglês foi conferido
uma igual posição e, assim, estabeleceu-se a
ficção de que um texto escrito em uma "língua" qualquer possa ser
traduzido para quaisquer "línguas" e que as traduções resultantes são
completamente iguais do ponto de vista do sentido (Tonkin 1996, p. 14).
O
mesmo princípio de equivalência textual é aplicado na União Europeia com suas
onze línguas oficiais, das quais todas teoricamente expressam o
"mesmo" conteúdo semântico. Qualquer pessoa familiarizada com o
processo e os produtos da tradução sabe que harmonizar o
círculo de diferenças conceituais, culturais e linguísticas é um ideal utópico
distante da maneira pela qual funcionam as distintas realidades. Os sistemas
jurídicos de cada um dos quinze estados-membros da União Europeia, por exemplo,
desenvolveram-se de maneiras distintas, não podendo os textos significar
"o mesmo" em todas as línguas e culturas.
No
entanto, existem forças que tentam persuadir o Parlamento Europeu a considerar
com seriedade a opção pelo Esperanto, e um número crescente de membros do
Parlamento Europeu, segundo se informa, estão interessados no debate de tais
questões. Uma audiência se realizou em 1993 e uma audiência mais ampla sobre
política lingüística está sendo planejada.12 Finalmente,
isso reflete o fato de que instituições supranacionais da UE estão, em
princípio, comprometidas com o multilinguismo e a igualdade linguística, embora
a presente hierarquia linguística lute contra isso: algumas línguas são mais
iguais que outras, sobretudo o inglês e o francês nos órgãos da UE.
A
Associação Mundial de Esperanto procura exercer influência na política
lingüística das organizações internacionais. O manifesto aprovado em seu 81o Congresso
Mundial, em Praga, em 1996, enumera uma série de princípios que o movimento
para a "língua internacional Esperanto" defende. Eles incluem
democracia, educação mundial (inclusão étnica), educação eficiente (um melhor
aprendizado de línguas estrangeiras), multilinguismo, direitos linguísticos,
diversidade linguística e emancipação humana. Os dois princípios que mais se
relacionam ao tema presente são estes:
Democracia. Um
sistema de comunicação que sempre privilegie algumas pessoas, mas que exige de
outras que invistam anos de esforços para se atingir um grau menor de domínio,
é fundamentalmente antidemocrático. Embora, como toda língua, o Esperanto não
seja perfeito, ele supera qualquer rival no domínio da comunicação mundial equitativa.
Afirmamos que a desigualdade linguística
provoca desigualdade de comunicação em todos os níveis, inclusive no nível
internacional. Somos um movimento pela comunicação democrática.
Direitos linguísticos. A divisão desigual de poder entre as línguas é a receita de
uma constante insegurança linguística ou de uma opressão linguística direta na
maior parte da população. Na comunidade esperantófona, os falantes de línguas
grandes e pequenas, oficiais e não oficiais, reúnem-se em terreno neutro graças
à vontade mútua de se chegar a um acordo. Tal equilíbrio entre direitos e
responsabilidades linguísticas abre um precedente para se desenvolver e se
avaliar outras soluções dos conflitos linguísticos e da desigualdade linguística.
Afirmamos que as grandes diferenças de poder entre as línguas minam as
garantias, expressas em tantos documentos internacionais, de um tratamento equitativo
sem distinção de língua. Somos um movimento pelos direitos linguísticos.
Para
ser sincero, só tomei consciência do potencial do Esperanto bem recentemente,
porque, eu, como a maioria dos sociolinguistas, até então não o levara a sério.
Além dos argumentos intelectuais resumidos acima, tive a experiência de
participar de dois congressos "internacionais" no verão de 1996. Na
Conferência de Direitos Linguísticos em Hongkong, o inglês foi quase o único
recurso de comunicação. Um participante sul-africano exprimiu sua surpresa
diante do fato de que aqueles cuja competência em inglês era menos que ideal,
sobretudo asiáticos, que com muita dificuldade exprimiam-se em inglês,
aceitaram os direitos de comunicação desiguais impostos pelos organizadores da
conferência. Algumas semanas depois, no 81o Congresso
Mundial da Associação Mundial de Esperanto, em Praga, surpreendi-me ao
presenciar vários milhares de participantes do mundo todo comunicarem-se, com
segurança, em uma língua comum internacional, entre eles vários asiáticos, que
aparentemente não sofriam nenhuma desvantagem.
Direitos linguísticos em organizações supraestatais
Algumas
línguas recebem direitos preferenciais em fóruns internacionais, como na ONU,
em alianças militares ou comerciais, em organismos que regulam questões
internacionais, como o tráfego aéreo e marítimo e em associações profissionais.
Esses organismos tipicamente trabalham com uma ou mais línguas oficiais. A
língua que, no curso deste século, impôs-se cada vez mais foi o inglês,
acompanhando revoluções na tecnologia e na comunicação e refletindo o poder
político, econômico e militar. Enquanto as hierarquias linguísticas em contextos
pós-coloniais têm sido analisadas, uma política linguística internacional no
sentido do funcionamento de línguas em organizações internacionais é pouco
estudada e pouco compreendida (Tonkin
1996, p. 9; ver também Coulmas 1996; Fettes 1996). 13
Análises
de Tonkin (1996) e Fettes (1996) sobre o funcionamento do sistema linguístico
da ONU no curso de anos indicam que o regime linguístico atual reflete um poder
político antes que um princípio de igualdade (por exemplo, as línguas com o
maior número de falantes ou uma seleção representativa da ecologia lingüística
mundial) ou eficácia. Cinco línguas (inglês, chinês, francês, espanhol e russo)
foram aceitas como línguas oficiais da ONU em 1945. O árabe foi acrescentado
após a crise do petróleo dos anos 70.
Teoricamente,
há seis línguas oficiais de iguais direitos na ONU, sendo produzida uma enorme
quantidade de documentos nestas línguas com um oneroso serviço de tradução. Na
prática, o inglês é a língua de trabalho dominante de
facto e isso é ocultamente aceito na ONU. Forças de
língua francesa têm expressado sua insatisfação na ONU, mas pelo benefício de
ninguém, tendo este protesto pouco a ver com igualdade ou direitos de línguas
outras que a francesa.14 Há
uma grande resistência contra a reforma do sistema, uma vez que ele reflete uma
série de acordos políticos, uma fidelidade ao sistema por aqueles que o operam
e uma relutância a se considerar alternativas.
Possíveis
alternativas propostas por Tonkin (1996, p. 22-24) incluem uma aceitação mais
aberta de uma única língua, ou o inglês ou o Esperanto, ou uma maior ênfase no
aprendizado de línguas e em um multilinguismo receptivo ou um sistema no qual
os serviços linguísticos fossem disponibilizados contra pagamento. Atualmente,
não há nenhuma indicação de que exista disposição para se mudar o sistema,
embora a ONU procure maneiras de diminuir gastos e até um quarto do orçamento
da ONU seja gasto com os serviços de tradução e interpretação (Fettes 1966, p.
119). O sistema é ineficiente, visto que muitos representantes não são fluentes
nem inteligíveis em alguma das línguas oficiais; em virtude de problemas
logísticos de fornecimento de interpretação nas línguas oficiais designadas;
devido a desperdícios quando se traduzem textos para todas as línguas oficiais,
sem depois utilizá-los muito. Como observou um antigo intérprete do sistema da
ONU, é paradoxal destinar tantos recursos a tais questões, enquanto as
atividades de primeira importância da ONU, como a manutenção da paz, a saúde e
a promoção dos direitos humanos, recebem tão poucos fundos (Piron 1994).
Parece
justo concluir que o atual sistema de concessão de direitos a certas línguas
efetivamente priva falantes de outras línguas de um acesso igual ao sistema.
Ademais, a escolha de um certo número de línguas não significa que não haja
hierarquia entre as eleitas muito pelo contrário.
Na
União Europeia, a política linguística é uma questão tão delicada que poucas
iniciativas consensuais de alto nível foram tomadas. A política linguística não
tem um perfil relevante.
Em
sua maioria, estas políticas são encobertas, não abertas. Como observa o
redator de um número da International Political Science Review (Revista Internacional de Ciência Política) sobre
"o emergente sistema linguística mundial": A
questão das línguas permanece o grande non-dit da integração europeia. Houve muitas palavras sobre
rios de leite e montes de manteiga, sobre uma moeda única, sobre a
liberalização da migração para os cidadãos da UE e sobre a restrição de acesso
para estrangeiros, mas a língua em que se tratam tais temas permanece fora de
discussão(de Swaan 1993, p. 244).
Poucas
investigações sistemáticas sobre política linguística foram realizadas na UE, e
nenhuma em um quadro multidisciplinar elaborado. O que está presentemente
disponível é fragmentário e largamente impressionista. Obras de ciência
política sobre a integração europeia negligenciam a questão das línguas (por
ex., Richardson 1996). Estudos sobre a política linguística da UE contêm
análises da regulamentação que determina a política linguística, sobre estudos
empíricos do uso de línguas específicas e sobre atitudes em face do uso linguístico.
As obras pioneiras são de um franco-canadense (Labrie 1993), de um alemão
(Schlossmacher 1996) e de um norueguês (Simonsen 1996), não sendo, sem dúvida,
uma casualidade que as primeiras obras sejam de estudiosos procedentes de
estados que sentem suas línguas ameaçadas, invariavelmente pelo avanço do
inglês. Os livros são, respectivamente, em francês, alemão e norueguês, o que
pode restringir seu círculo de leitores, mas muitos dos temas são abordados em
inglês (ver o anuário Sociolinguística deste ano e Phillipson e Skutnabb-Kangas 1997).
Teoricamente,
a política lingüística, bem como a cultura, é um assunto próprio de cada
estado-membro, mas os processos de globalização e europeização e a intensidade
de ligações transnacionais em tantas esferas, muitas delas incentivadas por
medidas tomadas na UE, tornam a autonomia nacional em certa medida ilusória.
Para as instituições da UE, a mais significativa legislação linguística é o
regulamento de 1958, que outorga às quatro línguas dominantes dos estados
fundadores (holandês, francês, alemão e italiano) direitos iguais como línguas
oficiais e de trabalho. Quando, progressivamente, novos estados aderiram à UE,
suas línguas foram acrescentadas (o dinamarquês e o inglês, em 1972; o grego, o
português e o espanhol, uma década depois; o finlandês e o sueco, a partir de
1994). O prefácio à primeira decisão explica que as línguas que podem ser
escolhidas como línguas da UE são as que são oficiais dentro do território de
um estado. Excluem-se, portanto, línguas regionais, como o catalão na Espanha,
ainda que ele tenha mais falantes que algumas das línguas oficiais.
Ser
membro da "União" Europeia implica uma fusão de soberania com os
outros estados-membros. Há, portanto, a evidente necessidade de que documentos
escritos que resultem de acordo entre os estados-membros (por exemplo, no
Conselho de Ministros) sejam distribuídos em cada estado em sua língua
principal, como textos (tratados, regulamentos) com a força legal da UE sobre
as leis nacionais. Aqui, há uma clara necessidade de equivalência textual mais
próxima possível nas onze línguas oficiais.
O
presente sistema de interpretação para as onze línguas oficiais (11 × 10
combinações possíveis) é inoportuno, e o sistema de interpretação em
"relais", por exemplo, do dinamarquês para o grego via francês ou
inglês é frequentemente utilizado (Dollerup 1996). Em princípio, cada uma das
onze línguas tem os mesmos direitos de ser utilizada como língua de trabalho:
na prática, falantes de línguas "pequenas" com frequência renunciam a
seu direito e trabalham em uma das línguas "grandes". Muitas vezes,
minutas são disponíveis apenas em francês ou em inglês.
É
provável que a igualdade das línguas oficiais sempre tenha sido fictícia. O
francês foi, nos anos iniciais da UE, a língua dominante da Comissão Europeia,
em Bruxelas, e ainda permanece tal em alguns domínios. Os alemães acataram o
fato, ainda que líderes políticos e comerciais por vezes reclamem que os
interesses alemães sofrem como consequência do alemão não gozar, na verdade,
dos mesmos direitos.
A
maioria das agendas de política linguística explícita são mínimas, visando a
uma espécie de equidade entre as onze línguas oficiais. Os programas da UE para
a promoção da mobilidade de estudantes visam aprimorar a competência em línguas
estrangeiras nos estados-membros e a formação da identidade "europeia".
Teoricamente, os arquitetos da europeização afirmam que a diversidade cultural
e linguística deve ser conservada. Entretanto, a realidade é mais complexa,
quer se trate do uso de todas as línguas nacionais em nível supranacional, quer
se trate do status e
dos direitos de línguas minoritárias de cada estado. Ademais, o inglês está
tendo impacto sobre as línguas nacionais. Nas instituições da UE, o inglês está
se difundindo às custas de outras línguas francas potenciais, sobretudo o
francês e o alemão. As línguas menos "internacionais" dos demais
estados-membros têm, na prática, poucos direitos. Em outras palavras, existe
uma aceitação tácita da hierarquia das línguas da UE.
Como
caminhará a política linguística da UE é difícil prever. Há muitas questões sem
resposta: será que a UE está caminhando para a diglossia com o inglês como uma
segunda língua das elites, com exceção dos britânicos e irlandeses que
permanecerão, em sua maioria, monolíngues? Ou pode ser estabelecido um grau
mais substancial de multilinguismo multilateral e mútuo? As instituições da UE
continuarão com o inoportuno sistema de tradução e interpretação ou elas
repensarão sua política de línguas de trabalho e de redação de textos? Isso
provavelmente se dará quando novos membros ingressarem na UE. Os atuais
programas que financiam a circulação de estudantes (Erasmus, Sócrates etc.)
estão atingindo o objetivo declarado de consolidar as línguas da UE menos
difundidas ou eles, na verdade, estão promovendo o inglês?15 Existe
uma discussão bem informada sobre a viabilidade de alternativas como o
Esperanto? Quais tipos de eleitorado mais exercem influência na formação de uma
política lingüística: as elites nacionais ou supranacionais, os grupos
profissionais ou a mitologia criada nos meios de comunicação e na discussão
política? É justo supor que a delicadeza política das questões, unida à
fragilidade de infraestrutura, em âmbito nacional e supranacional, para se
garantir um debate público bem informado sobre estes assuntos, significa que as
forças do mercado progressivamente consolidarão o inglês? E se isso acontecer,
será necessariamente às custas de (falantes de) outras línguas?
Muito
está em jogo, em muitos níveis (individual, regional, social, mundial) e em
muitos domínios (cultural, econômico, político etc.), ambos em ecologias linguísticas
locais e em um nível amplo, europeu.
Estudos
empíricos indicam que apenas o francês e o inglês efetivamente funcionam como
línguas oficiais e de trabalho nos assuntos internos da UE (Schlossmacher 1996,
dados recolhidos em 1992). Os europeus do norte tendem a utilizar o inglês, os
do sul, o francês. O inglês predomina como o meio de comunicação com o
estrangeiro (por ex., com os países da AECL [Associação Europeia de Comércio
Livre] e mesmo com os ex-países comunistas, onde o alemão era tradicionalmente
forte). A obra mais recente de Quell (1997) confirma este quadro. A
proficiência em francês e inglês é uma condição para uma participação adequada
em decisões políticas, até mesmo no Parlamento Europeu, onde há mais serviços
de interpretação e onde se utilizam mais línguas, ao menos em sessões plenárias
do Parlamento.
Questionada
se seria necessário um regulamento para um novo sistema de línguas de trabalho,
a grande maioria (78%) dos burocratas empregados na UE respondeu que eles lhe
dariam boas-vindas, enquanto o número de parlamentares que assim pensam é muito
menor (41%; Schlossmacher 1996, p. 98). São tipicamente os membros dos grupos
de línguas "pequenas" que (por ex., o dinamarquês e o português) não
querem mudanças, supostamente pelo risco de que suas línguas sejam mais
marginalizadas do que já o são.
A
mesma análise também mostra uma grande proporção de pessoas que desejam que o
alemão seja usado como a língua com a mais alta prioridade e status, em vez do sistema com apenas o inglês ou apenas o
francês e o inglês como línguas de trabalho, mesmo se esse ainda não é o caso
presente (ibid, p. 103). Os informantes de Quell também foram inquiridos se uma
possível solução formal da questão das línguas de trabalho na UE consistiria em
um sistema monolíngue, bilíngue ou trilíngue e, se sim, quais das onze línguas
receberiam este status.
Os resultados mostram uma forte preferência a um sistema bilíngue (francês e
inglês) ou trilíngue (inglês, francês e alemão) sobre um sistema monolíngue.
Eles sugerem, além disso, que há mais apoio para o sistema com apenas o inglês
entre as pessoas que falam o inglês como segunda língua do que entre falantes
nativos do inglês. 16
Também
a obra de Schlossmacher revela uma larga escala de opiniões sobre se os novos
estados-membros devem ter necessariamente os mesmos direitos linguísticos que
os estados-membros que se encontram no atual esquema. Mais uma vez, nota-se que
um número de burocratas menor que o de parlamentares parece acreditar que as
línguas/estados ingressantes deveriam receber os mesmos direitos.17 É
mais que provável que decisões sobre política lingüística sejam tomadas quando
novos estados-membros aderirem à UE, ao menos quando as línguas adicionais
complicarem muito a logística de interpretação simultânea. Isso significa que
nas reuniões da futura UE, quando estiverem presentes chefes de Estado,
burocratas de alto e médio escalão, políticos e especialistas, não se terá o
direito de usar a própria língua? Quando admitidos no clube europeu (clube
cujas regras têm a força da lei em cada estado-membro), os falantes do tcheco,
estoniano, húngaro e polonês serão ouvidos apenas em inglês e francês? As
respostas a estas perguntas são atualmente a estimativa de todos, mas levantam
uma questão fundamental: a UE realmente é uma parceria democrática de
estados-membros com direitos iguais?
Como
a política presente é passiva, uma regulamentação por negligência... a única língua que tirará
proveito disso é o inglês. Considerando-se o fato de que a maioria das pessoas
não querem que o inglês ganhe mais terreno, é curioso que ele esteja,
entretanto, estabelecendo-se como a língua dominante da burocracia europeia (Quell 1997, p. 71).
Ao
longo dos últimos vinte e cinco anos, o inglês adquiriu na UE ostatus de
uma língua supranacional, comparável a sua posição na ONU e em muitos estados
pós-coloniais, o que reflete seu papel como língua da americanização e da
"macdonaldização". Isso tem, para a ecologia das línguas da UE, consequências
que provavelmente se tornarão cada vez mais visíveis nas décadas futuras. O
inglês tem uma posição hegemônica como língua internacional, a que o direito
internacional, inclusive as leis de direitos humanos, não têm meios de se opor,
o que quer que esteja declarado em pactos de inaceitabilidade de discriminação
com base na língua (sobre as restrições destes, ver Skutnabb-Kangas e
Phillipson 1994b).
Hegemonia linguística internacional
A
hegemonia linguística do inglês manifesta-se de diversas maneiras. Algumas
delas refletem uma força econômica. A difusão do inglês depende menos de força
militar (embora a "pacificação" na Bósnia o fortaleça e diversifique)
do que de pressões comerciais, não menos as de corporações multinacionais e as
de organizações mundiais e regionais, como a UE.
Obviamente,
hierarquias linguísticas em nível internacional não se relacionam diretamente
com forças nacionais demográficas ou econômicas. O alemão tem o maior número de
falantes nativos que qualquer grupo linguístico na UE, o maior mercado interno
e a mais forte economia e tem algum uso internacional, mas há poucos indícios
de que ele possa competir com o inglês.
O
inglês, além disso, beneficia-se do aprendizado de línguas estrangeiras que
confirma a hierarquia lingüística internacional. Para poder competir no mercado
mundial, estados cujas línguas são interlínguas rivais França, Alemanha e
Espanha investem muito no aprendizado do inglês em seus sistemas de educação,
ainda que o inglês seja visto como uma ameaça aos valores culturais e
linguísticos locais.18
A
colaboração científica internacional também está cada vez mais dominada pelo
inglês. Áreas periféricas de pesquisa estão vulneráveis a empreendimentos
cooperativos arriscados apoiados pelo imperialismo científico e linguístico:19 há
relações de desigualdade no discurso acadêmico, que o status do
inglês consolida, e há uma hierarquia de paradigmas de pesquisa que frequentemente
é legitimada e aceita internamente sem reflexão.
A
língua de mais amplo uso beneficia-se das imagens dos anúncios de
corporações multinacionais e de sua associação com o sucesso e o hedonismo.
Estes símbolos são reforçados por uma ideologia que glorifica a língua
dominante e estigmatiza outras, sendo esta hierarquia racionalizada e
internalizada como normal e natural, e não como a expressão de valores e
interesses hegemônicos.
A
difusão do inglês é claramente visível em políticas linguísticas
pós-colonialistas, que ignoram a ecologia lingüística local. Investigações
acadêmicas ocidentais sobre a sociologia da linguagem frequentemente refletem
uma relação desigual, como mostra a resenha de um livro de um norte-americano
sobre política lingüística: Eis um exemplo típico de colaboração da Índia e dos
Ocidentais: superficial e depreciativa... Quando ignoramos os estudos em
línguas regionais hindus sobre as questões linguísticas da Índia, deixamos de
ter insights essenciais.
A língua inglesa proporciona-nos apenas uma dimensão, um ponto de vista e uma
janela (Kachru 1996, p. 138, 140).
Mundialmente,
estas tendências e muitas outras que são partes integrantes da macdonaldização
levaram a uma disposição, quer nas elites quer nos excluídos, a desejar
proficiência em inglês, pela razão óbvia de ser ele visto como uma mina de
oportunidades. O apelo do inglês não deve eclipsar o fato de que na África como
um todo 90% da população falam apenas línguas africanas. Igualmente, na Índia,
de 3% a 5% da população são falantes do inglês. Se os cidadãos de países de
todo o globo devem contribuir para a solução de problemas locais, se devem
utilizar o meio local para propósitos culturais, econômicos e políticos localmente
apropriados, isso deve exigir o uso de línguas locais. Uma política linguística
deve reconciliar estas dimensões da ecologia linguística com as pressões da
globalização e da supranacionalização, que estão promovendo o avanço do inglês.
Uma política linguística deve ser explícita e deve incluir condições iguais
para todos os povos e todas as línguas.
É
possível ampliar as leis de direitos humanos internacionais, a fim de controlar
a invasão das línguas internacionais hegemônicas.
NOTAS
(Endnotes)
A problem of post-war
reconstruction
(A
difusão da cultura inglesa fora da Inglaterra. Um problema de reconstrução
pós-guerra) (Routh 1941), foi escrito por um conselheiro do British
Council (Conselho Britânico), uma organização fundada nos
anos 1930 para difundir o inglês e se opor à difusão das línguas de governos
fascistas. Foi um esquema para a criação da profissão mundial de professor de
inglês, que se formou no princípio dos anos 1950 e que, a partir de então,
cresce muito.
Os
norte-americanos aplicaram muito dinheiro nos sistemas de educação dos países
do "terceiro mundo" e na profissão de professor de inglês como
segunda língua... a despesa de grandes somas de fundos governamentais
e privados no período de 1959-1970, talvez as maiores somas jamais gastas na
difusão de uma língua (Troike, diretor do Centro de Lingüística Aplicada,
Washington, DC, 1977).
2 Estas ideias referem-se à sua forma (amálgama de
várias línguas, sobretudo europeias) e a seu papel como o recurso de
comunicação do cristianismo, da literatura, do bem-estar, da tecnologia, da
ciência, do progresso etc.
A discordância do tema imperial é rara até mesmo
hoje (Bailey 1991, p. 116). Há uma longa e ainda
vigorosa tradição de se pretender dar
provas da superioridade anglófona em todos os campos da atividade humana.
Muitas pessoas justificaram as mais perniciosas formas de injustiça. Poucas
[pretensões] sobrevivem a uma análise rigorosa e desapaixonada (ibid., p. 287).
3 Malcom
Rifkind, quando ministro britânico para assuntos estrangeiros, disse: A
Grã-Bretanha é uma potência mundial com interesses mundiais graças à Commonwealth, às
relações transatlânticas [com os estados Unidos] e ao uso crescente da língua
inglesa (matéria em The
Observer , 1995.09.24).
4 O
projeto English 2000 ,
do British Council, lançado em 1995, declara em seu prospecto que o objetivo é explorar
o papel do inglês, a fim de promover os interesses britânicos como um aspecto
da manutenção e da expansão do papel do inglês como a língua mundial no próximo
século... Falar o inglês torna as pessoas abertas às conquistas culturais da
Grã-Bretranha, a seus valores sociais e a seus propósitos comerciais.
5 The
Sunday Times , 1994.07.10: O
caminho de salvação da língua francesa é que se ensine o mais eficazmente
possível o inglês como a segunda língua em todas as escolas francesas... Apenas
quando os franceses reconhecerem o domínio do anglo-americano como a língua
universal em um mundo que se encolhe, eles poderão efetivamente defender
sua própria cultura única... A Grã-Bretanha deve dar prosseguimento à difusão
do inglês e dos valores britânicos que estão por trás dela.
6 A
recente invasão de obras sobre a globalização e sobre o inglês pode ser
classificada superficialmente como:
-
regional: (por ex., Linguistic ecology. Language change and
linguistic imperialism in the Pacific region, Mühlhäuser,
Routledge;South Asian English, org. Baumgardner, Illinois UP);
- comparativa: ( Post-imperial
English: Status change in former British and American colonies, 1940-1990, org. Fishman,
Conrad e Rubal-Lopez, Mouton de Gruyter; Language
politics in English-dominant countries ,
Herriman/Barnaby, Multilingual Matters);
- triunfalista: ( English as a
Global Language , Crystal, Cambridge UP);
- analítica: ( The politcs of
English as an international language , Pennycook,
Longman; Problematizing English in India , Agnihotra e
Khanna, Sage; Linguistic imperialism , Phillipson,
Oxford);
- radical-crítica: ( The otherness
of English. India 's auntie
tongue syndrome, Dasgupta, Sage; De-hegemonizing
language standards. Learning from (post)colonial Englishes about
"English" , Parakrama,
Macmillan);
- estimativa: ( The future of
English , Graddol, British Council).
7 Eis
os pontos principais de uma palestra dada pelo presidente daBritish
Association for International and Comparative Education(Associação
Britânica de Educação Internacional e Comparada), sir Christopher Ball, durante
a Terceira Conferência de Oxford sobre Educação e Desenvolvimento, 1995.
(i) aprender como
aprender
(ii) a língua mundial
(iii) a língua
materna (se diferente de ii)
(iv) domínio dos
numerais
(v) alfabetização
cultural
(vi) práticas sociais
(vii) religião, ética
e valores.
9 "Linguicismo"
é definido como "ideologias, estruturas e práticas utilizadas para
legitimar, realizar e reproduzir uma divisão desigual de poder e de propriedade
de bens (materiais e não materiais) entre grupos definidos com base na
língua" (Skutnabb-Kangas 1988).
10 Zamenhof
mesmo citou Ovídio em alusão às pessoas que recusam o Esperanto sem
conhecimento de seu potencial ou de sua realidade:
Ignoti nulla cupido ,
isto é, não se deseja aquilo sobre o qual nada se sabe (cit. em Centassi e
Masson 1995).
11 No
outono de 1915, Zamenhof escrevia um artigo intitulado "Post la Granda
Milito apelacio al diplomatoj" , uma espécie de testamento político. Ele
propunha quatro princípios (Centassi e Masson 1995, p. 329-331):
·
todo país pertence moral e materialmente a todos os seus habitantes naturais ou
naturalizados... Nenhuma raça deve ter, no país, direitos ou deveres maiores ou
menores que os de outras raças;
·
todo cidadão tem pleno direito de utilizar a língua ou dialeto que quiser...;
·
por todas as injustiças cometidas em determinado país o governo deste mesmo
país responde perante um Tribunal Permanente Europeu, criado pelo acordo de
todos os países europeus.
in wie weit könnte eine
Plansprach zu seiner Lösung beitragen?
(O
problema comunicacional e linguístico na União Europeia até que ponto uma
língua planejada poderia contribuir para a solução?), Parlamento Europeu,
Bruxelas, 29 de setembro de 1993, organizado pela Fundação Hanns-Seidel. Uma
segunda audiência está sendo planejada pelo Grupo de Trabalho sobre os
Problemas Linguísticos da União Europeia.
Os
pormenores podem ser recebidos da Associação Mundial de Esperanto, Nieuwe
Binnenweg 176, 3015 BJ Rotteram, Holanda.
13 O
Centro de Pesquisa e Documentação do Problema Lingüístico Mundial, baseado na
Universidade de Hartford, Estados Unidos, em associação com a revista Language
Problems and Language Planning (Problemas
e Planejamento Linguísticos), organizou uma série de conferências na ONU sobre
política lingüística (ver Tonkin 1996).
15 Por
décadas, o Conselho da Europa defende o aprendizado de duas línguas
estrangeiras. A Comissão da União Europeia, em seu Livro Branco sobre Educação
e Formação (COM[95] 590 de 29.11.95), recomendou que todos os jovens estudassem
ao menos duas línguas estrangeiras da UE e propôs diversas medidas para
fortalecer o aprendizado de línguas estrangeiras. Muitos escolares da Europa já
o fazem, e a maioria dos governos da UE, com exceção do britânico, estão
dispostos a apoiar o princípio do aprendizado de duas línguas estrangeiras.
16 Embora
meticuloso e cauteloso em sua análise, Quell inclina-se à opinião de que falantes
de uma segunda língua são agentes ideais de mudanças, não apenas porque eles
sejam altamente motivados, mas também por que eles apoiam a língua a qual não
estejam ligados em um sentido fundamentalmente nacional e cultural, e é improvável que sejam considerados
defensores de uma política por egoísticas razões nacionalistas (Quell
1997, p. 70).
Enquanto
a conclusão acima pode ser válida nesta pesquisa, sua generalização pode
reduzir-se, se situada em um contexto mais amplo. A investigação de
Schlossmacher mostra que os burocratas da UE insistem menos que os
parlamentares na manutenção de seu direito de utilizar a língua materna nas
instituições da UE. Parece-me que os britânicos que tenham escolhido trabalhar
em Bruxelas estão entre os poucos britânicos comprometidos com a europeização e
o multilinguismo que isto requer. O resto da população talvez seja
obstinadamente monolíngue e xenófoba. Seria irônico se escandinavos e alemães e
gregos desejassem fortalecer a integração europeia, endossando uma solução do tipo
inglês apenas, solução que apela para os britânicos mais jingoístas, enquanto
os britânicos que se sentem comprometidos com a europeização estão
marginalizados.
17 Até
certo ponto, este "resultado" poderia ser um resultado não natural da
forma do questionário, uma vez que os informantes tinham que inevitavelmente
interpretar os dizeres, que podem ser compreendidos de diversas maneiras, por
mais cuidadosamente que fossem formulados. E será que Amtssprache é um equivalente exato de official
language ?
18 Para
detalhes sobre as mudanças no aprendizado de línguas estrangeiras nos países da
UE durante os últimos cinquenta anos e uma análise das consequências para a
escolha de uma língua na comunicação interpessoal, ver Labie e Quell 1997.
19 Há,
em revistas húngaras de ciências sociais, debates acalorados sobre as relações
desiguais entre pesquisadores norte-americanos e seus "parceiros"
húngaros. Ver o número especial de Replika "Colonialismo ou parceirismo? Leste Europeu e
ciências sociais ocidentais", 1996. Meus agradecimentos a Miklós Kontra,
por ter me chamado a atenção para a questão .
20 Um
exemplo recente: um funcionário do alto escalão do British
Council considera a atual predominância do inglês em
domínios chaves da globalização tão compreensível quanto o fato de a água fluir
para baixo e o sol nascer no Oriente, e caso se aceite esta realidade social, é
legítimo e inevitável que os falantes nativos do inglês se empenhem em tirar
deste fato vantagens nacionais...(Seaton
1997, p. 381).
REFERÊNCIAS
Abou,
Selim e Katia Haddad (org.).
La diversité linguistique et culturelle et les
enjeux du développement . Montréal: AUPELF-UREF, 1997.
Akinnaso, F. Niyi.
"Linguistic unification and language rights."Applied Linguistics 15, nº 2
(1992): 139-168.
Bailey, Richard W. Images of
English: A cultural history of the language. Cambridge:
Cambridge University Press, 1991.
Calvet, Louis-Jean. Linguistique et
colonialisme: petit traité de glottophagie . Paris: Payot,
1974.
Centassi,
René e Henri Masson. L 'homme qui a défié Babel . Paris: Ramsay, 1995.
Coulmas, Florian.
"Language contact in multinational organizations." Kontaktlinguistic/Contact
Linguistics/Linguistique de contact: An international handbook of contemporary
research , org. Hans Goebl, Peter H. Nelde, Zdenìk Starý e
Wolfgang Wölck. Berlin/New York: de Gruyter, 1996, 858-864.
Crowley, Tony. Proper English?
Readings in language, history and cultural identity . London:
Routledge, 1991.
de Swaan, Abram. "The
emergent world language system: an introduction." International Political Science Review 14, nº 3 (1993): 219-226.
—. "The evolving
European language system: a theory of communication potential and language
competition." International
Political Science Review .14, nº 3 (1993): 241-256.
Djité, Paulin.
"Language and development in Africa." International
Journal of the Sociology of Language 100/101 (1993):
149-166.
Fettes, Mark. "Inside
the tower of words: the institutional functions of language at the United
Nations". Em Léger (org.) 1996, 115-134.
Grin, François e Catherine
Hennis-Pierre. "La diversité linguistique et culturelle face aux règles du
commerce: le cas du film et des émissions de télévision." Em Abou e Haddad (org.) 1997, 265-286.
Kachru, Braj B. Review of
Grant D. McDonnell's "A macro-sociolinguistic analysis of language
vitality: Geolinguistic profiles and scenarios of language contact in
India" . Language in Society25, nº 1 (1996): 137-140.
Labrie, Normand. La construction
linguistique de la Communauté européenne . Paris: Henri
Champion, 1993.
Léger, Sylvie (org.). Vers un agenda
linguistique: regard futuriste sur les nations unies, Towards a language
agenda: futurist outlook on the United Nations. Ottawa: Canadian Center for Linguistic Rights,
University of Ottawa, 1996.
Lins, Ulrich. Die gefährliche
Sprache. Die Verfolgung der Esperantisten unter Hitler und Stalin. Gerlingen:
Bleicher, 1988.
Mazrui, Alamin. "The
World Bank, the language question and the future of African education." Race and class 38, nº 3
(1997): 35-48.
Phillipson, Robert. Linguistic imperialism. Oxford: Oxford
University Press, 1992.
Phillipson, Robert e Tove
Skutnabb-Kangas. "Language rights in postcolonial Africa." Em
Skutnabb-Kangas e Phillipson (org.) 1994, 335-345.
—."English only
worldwide, or language ecology." TESOL Quarterly,
número especial sobre política linguística, 30, nº 3 (1996): 429-452.
—."Lessons for Europe from language policy in
Australia." Em Pütz, 1997, 115-159.
Piron,
Claude. Le défi des langues: du gâchis au bon sens (O
desafio das línguas: da má gestão ao bom senso). Paris: L'Harmattan, 1994.
Pütz, Martin (org.). Language
choices: Conditions, constraints and consequences. Amsterdam: John Benjamins, 1997.
Quell, Carsten.
"Language choice in multilingual institutions: A case study at the
European Commision with particular reference to the role of English, French and
German as working languages."
Multilíngua 16, nº 1
(1997): 57-76.
Richardson, Jeremy (org.) European Union:
power and policy-making. London:
Routledge, 1996.
Schlossmacher, Michael. Die
Amtssprachen in den Organen der Europäischen Gemeinschaft. Frankfurt am Main: Peter Lang, 1996.
Seaton, Ian.
"Linguistic non-imperialism." ELT Journal 51, nº 4
(1997): 381-382.
Skutnabb-Kangas, Tove e
Robert Phillipson (org.). Linguistic
human rights: overcoming linguistic discrimination .
Berlin:
Mouton de Gruyter ( versão brochada 1995), 1994a.
Skutnabb-Kangas, Tove e
Robert Phillipson. "Linguistic human rights, past and present." Em
Skutnabb-Kangas e Phillipson 1994a, 71-110, 1994b.
—."Language rights in
postcolonial Africa." Em Skutnabb-Kangas e
Phillipson 1994a, 335-345, 1994c. Simonsen, Dag.
Nordens språk i Eus Europa. Språkplanlegging og
språkpolitikk mot år 2000 ( As línguas nórdicas na Europa da UE. Planejamento
linguístico e política linguística rumo ao ano 2000).
Oslo:
Nordisk Språksekretariat, 1996.
Tonkin, Humphrey.
"Language hierarchy at the United Nations." Em Léger 1996, 3-28.
Tsuda, Yukio. "The
diffusion of English: its impact on culture and communication." Keio Communication Review 16 (1994): 49-61.
Tradukis Reinaldo Ferreira
Lasta ŝanĝo:
2003-03-28
Adreso:
Nenhum comentário:
Postar um comentário