A
palavra SE como
apassivador: explicação histórica
Horácio
Rolim de Freitas
A norma culta admite a existência
da chamada passiva
sintética com a partícula
se, em frases como: VENDEM-SE CASAS.
Dois são os argumentos dos que
defendem essa construção:
1º) sendo o verbo
TER transitivo direto, pode ter voz passiva;
2º) esta construção com a partícula
SE equivale à passiva
analítica: CASAS
SÃO
VENDIDAS. Logo, o substantivo CASAS, nos exemplos, representa o sujeito, devendo o verbo com ele
concordar.
Said Ali não admite tal construção
como voz passiva sob os seguintes argumentos:
1º) “Analisar indiretamente, por
meio de substituição é dar asas à fantasia”.
2º) “São estruturas e
significações diferentes: VENDE-SE
ESTA CASA e ESTA CASA É VENDIDA.
Said Ali considera, portanto, voz
ativa, sujeito indeterminado e substantivo posposto, complemento verbal.
Ao lado de Sai Ali estão Sotero dos
Reis, Antenor Nascentes e Clóvis Monteiro. Este assim se pronunciou sobre o pronome
apassivador:
“A função
subsidiária que, nesse caso, se atribui ao SE, é circunscrita
à esfera dos
eruditos. É ignorada pelo povo, que,
instintivamente, rejeita, por contrário à índole da língua, aquilo que, muitas
vezes, é ouro de lei para os gramáticos.”
Faltava, no entanto, a explicação
diacrônica, a origem de tal construção.
Esse estudo, que viria,
definitivamente, justificar a aversão que o falante tem em flexionar o verbo
junto à palavra SE (VENDE-SE CASAS
/
CONSERTA-SE RELÓGIOS) se deve à tese de doutorado do
Prof. Castelar de Carvalho. Pesquisador de primeira linha,
que, antes, já nos dera a obra Para compreender Saussure, solucionou a origem
da chamada passiva pronominal na obra O
Pronome Se:
uma palavra oblíqua e dissimulada.
Comprovou
o autor que nunca a palavra SE
funcionou no latim clássico como elemento apassivador. Nem o latim vulgar deu
guarida a tal construção.
O Prof. Castelar cita eminente
autoridade no assunto, Henri
Müller,
no artigo A Voz Passiva no Latim Vulgar, publicado pela Columbia
University Press, em 1962: “Passiva
pronominal é uma criação das línguas românicas, não do latim. A passiva
pronominal é uma invenção renascentista”.
Eis a lição de Castelar de
Carvalho: “O SE pronome
apassivador tem sua
origem no uso da perífrase
verbo pronominal com sujeito inanimado (Ex.: Agita-se a
palmeira.), construção que acabou por
se prestar a uma interpretação
ambígua: de um
lado, como medial dinâmica (A palmeira
agita-se) com a personificação do
sujeito; e. de outro, com a voz passiva, a chamada passiva
pronominal românica, interpretação que veio a
prevalecer no registro culto da língua portuguesa.”.
___________________
ROLIM DE FREITAS,Horácio. Aspectos
Diacrônicos e Sincrônicos da Língua Portuguesa, in: Confluência, Revista do
Instituto de Língua Portuguesa, nº 20-2º semestre de 2000- Rio de Janeiro, p.
82-83.
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